Combater o racismo, defender a vida
Não se discrimina ninguém em nome de Deus
Élio Gasda*
A superação da desigualdade racial tornou-se uma exigência moral. A consciência antirracista vai se consolidando, aos poucos, mas estamos a caminho. A Constituição Federal de 1988, aprovada no ano do centenário da abolição formal da escravidão, trouxe alguns avanços para a população brasileira, majoritariamente negra. Seu artigo 3º, inciso XLI, determina que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; o artigo 5º, inciso XLI, prevê que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades”. Racismo é crime, passível de pena variável de um a cinco anos conforme Lei 7.716/1989.
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A Constituição abriu espaço para outras conquistas como direito à terra dos quilombolas, a criação do Dia da Consciência Negra, em 2003, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial em 2010. Logo depois, em 2012, a Lei de Cotas para o Ensino Superior. O STF, em 2018, equiparava a injúria racial aos crimes de racismo, tornando-os imprescritíveis e inafiançáveis. Em 2019, pela primeira vez, os negros passaram a ser a maioria nas universidades públicas. É longa a luta antirracista, mas as lutas por igualdade racial dão seus frutos.
O Brasil tem a maior população negra fora da África. O racismo é resultado de um processo histórico, político e cultural mantido por uma elite racista. O Estado moderno e a economia do capitalismo surgem como instituições escravistas. O tráfico de africanos para fins de comercialização e escravização é instituído pelo Estado para atender as exigências do mercado. Foram quase quatro séculos caçando, vendendo e comprando seres humanos.
O trabalho dos escravizados alimentava a riqueza dos Estados europeus e gerou muitas fortunas.
No Brasil, os mais ricos eram traficantes de seres humanos. A independência do país foi resultado de uma aliança entre os setores escravistas para a manutenção da escravidão.
O processo de concentração de riqueza e a escandalosa desigualdade social possuem profundas causas raciais. Desde o nível jurídico-político até a organização das cidades, raça e classe social estão unidas. A quase totalidade da população negra pertence à classe trabalhadora e mora nas periferias. São também, a maioria das vítimas de violência. Enquanto houver racismo não haverá democracia. A luta pela igualdade racial é política.
O racismo está infiltrado nas instituições, na cultura, na economia, na política, privilegia certos grupos étnico-raciais discriminando outros. O racismo não se restringe a atos preconceituosos isolados. É a institucionalização desse preconceito em todas as dimensões da sociedade.
Tão presente na sociedade, o racismo é uma herança do período colonial escravocrata, 388 anos! A opinião de que os povos negros escravizados eram inferiores aos brancos foi passado de geração em geração. Ou seja, racismo é um processo. E é estrutural, porque organiza e estrutura as instituições. É muito mais que uma questão moral ou jurídica. Atos racistas são a ponta do iceberg do racismo estrutural. Antes da cena, já existe um cenário preparado pelo Estado, pela ideologia e pela economia.
Racismo é crime! O Racismo mata. E deve ser denunciado 24 horas e em todos os espaços!
É uma exigência do Evangelho. “Nos envergonham as expressões de racismo, demonstrando que os supostos avanços da sociedade não são assim tão reais nem estão garantidos duma vez por todas” (Papa Francisco, Fratelli tutti, 21).
O racismo começa dentro de casa e se perpetua na comunidade, na escola, na igreja, no trabalho, na mídia, no dia a dia. As instituições que pertencemos são de fato antirracistas? É importante identificar e denunciar o racismo eclesiástico presente em setores da Igreja. “O racismo é um vírus que muda facilmente e, em vez de desaparecer, dissimula-se, mas está sempre à espreita” (Fratelli tutti, 97). É impossível ser racista e ser cristão. “Todo ser humano é um reflexo do Cristo, porque foi criado por meio Dele e em vista Dele” (Colossenses 1,15-17).
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Não se discrimina ninguém em nome de Deus. Enquanto houver racismo não haverá comunidade de irmãos. Governos e organizações racistas são absolutamente contrários ao cristianismo.
Não há paz no racismo. Erradicar a discriminação racial é responsabilidade de todo cidadão e todas as instituições. “Não se pode fechar os olhos ou tolerar o racismo” (Papa Francisco).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja’ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016)
Fonte: Dom Total. O autor assume integral e exclusivamente responsabilidade pela sua opinião.
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