Reforma Previdência completa um ano e muitos jovens não sabem o que mudou.
Com impacto positivos nas contas públicas, mudanças são duras contra trabalhadores.
Um ano após sua aprovação, a reforma da Previdência começa a dar sinais de sua eficácia para as contas públicas do país. A economia nas despesas está maior do que o previsto inicialmente e a arrecadação com as alíquotas cobradas de servidores federais e de militares das Forças Armadas também cresce mais que o esperado. Em vigor há um ano, a reforma confirma ser ótima para o governo e cruel para os trabalhadores.
O líder da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), diz que o governo está “poupando despesa e aumentando a miséria social” com as novas regras de aposentadoria. “Você faz uma reforma para ajudar a vida das pessoas, não para piorar como foi essa reforma.”
Apesar dos sinais positivos para as contas públicas, especialistas afirmam que ainda é cedo para traçar uma nova tendência para os gastos previdenciários e que uma nova reforma segue sendo necessária na próxima década. Além disso, muitos jovens que estão iniciando a vida profissional não sabem sequer os impactos da reforma. É o caso do brasiliense João Alves e Silva conseguiu uma vaga num quiosque de venda de sorvetes no Pátio Brasil, shopping da capital federal.
Com 24 anos e um longo período de procura por emprego fixo, Silva pôde realizar o desejo de ter pela primeira vez a carteira de trabalho assinada e a previsibilidade de um salário garantido no fim do mês.
Ele é um dos milhares de brasileiros que entraram no mercado de trabalho já sob as regras definitivas pela Nova Previdência, em vigor há exato um ano.
A reforma fixou uma idade mínima para aposentadoria de 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens), regras de transição, pensões por morte com redutores e novo cálculo do benefício. Mas Silva, que tem ensino médio e fazia um curso técnico interrompido pela pandemia, pouco conhece sobre o que as mudanças representam e seus direitos.
O que ele sabe é que vai ter de trabalhar por uma prazo maior até se aposentar. “Não foi muito explicado. O que eu ouvi recentemente é que vou ter de trabalhar mais. Ainda não fiz as contas”, diz. “Vai chegar o momento que o corpo não vai aguentar mais”, completa o jovem, que dividiu com a família – mãe, irmã, cunhado, sobrinha e namorada – a felicidade do primeiro emprego.
A falta de experiência estampada na carteira de trabalho em branco sempre foi empecilho para arrumar o primeiro emprego.
“Foi difícil arrumar essa experiência. Eu sempre quis ter a carteira assinada, mas não tinha experiência comprovada. A oportunidade não existia para mim”, afirma ele, ainda surpreso com o fato de o trabalho ter chegado durante a pandemia.
Nesse momento de vida, a Previdência para ele é garantia e segurança de que terá acesso a benefícios do governo, como auxílio-doença. Os planos para o futuro ainda estão longe de envolver a aposentadoria. A perspectiva agora é conseguir a casa própria por meio do Minha Casa Minha Vida, rebatizado pelo atual governo de Casa Verde e Amarela. “Eu penso em abrir uma poupança para o futuro, quando estiver mais velho. De momento, o que quero é ter uma casa para minha mãe e para mim”, diz.
Transição
Já o economista Mauricio Oliveira, de 60 anos, batalha para conseguir se aposentar. Com 34 anos de contribuição (33 anos na época da aprovação da reforma), ele entrou nas regras de transição e precisou adiar os planos de aposentadoria. Antes, previa pedir o benefício em 2021. Agora, só lá para 2022, já que ele quer fugir do fator previdenciário – que funciona como redutor do valor a ser recebido. “Estou perto, mas vou ter de esperar”, afirma ele.
Oliveira foi demitido da entidade onde trabalhava como assessor econômico. Com isso, perdeu o vínculo formal e, consequentemente as contribuições ao INSS.
Para evitar um atraso ainda maior nos planos, vai recorrer às suas economias para seguir fazendo os recolhimentos de forma autônoma – com uma alíquota bem maior, de 20%, ante a contribuição de 7,5% a 14% paga por quem está empregado. “Ainda bem que eu tenho essas economias”, conta.
A esperança de Oliveira é conseguir pagar ao INSS pendências do passado, de um período em que trabalhou como pessoa jurídica e deixou de pagar a Previdência. “Falta um ano de contribuição. Se eu conseguir pagar as pendências do passado e recuperar o tempo perdido, consigo me aposentar antes.”
Bom para o governo
A reforma passou a valer em 13 de novembro de 2019. Logo em seguida, os técnicos enviaram ao Congresso uma previsão de redução nas despesas do INSS de R$ 3,5 bilhões em 2020. Desde então, porém, a projeção de gastos caiu mais R$ 5 bilhões, acumulando R$ 8,5 bilhões poupados.
No Regime de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS), a alíquota antes única, de 11%, foi substituída por uma cobrança progressiva que vai de 7,5% (até um salário mínimo) até 22% (sobre a parcela da remuneração que fica acima de R$ 39 mil mensais). Até setembro deste ano, ingressaram R$ 12,4 bilhões a mais que em igual período de 2019. Na projeção original, a estimativa era ampliar a arrecadação em R$ 3,2 bilhões em todo o ano.
A mesma tendência foi observada no regime dos militares das Forças Armadas, que tiveram aumento de alíquotas e cobrança estendida a pensionistas (antes isentos). As receitas subiram R$ 11,27 bilhões até setembro, ante uma previsão de R$ 5,35 bilhões em todo o ano.
Nas receitas do INSS, o efeito é incerto por causa do choque provocado pela pandemia do novo coronavírus.
Empresas puderam adiar pagamentos, e o aumento nas demissões reduz o número de contribuintes da Previdência. Tudo isso levou a uma queda na arrecadação.
O governo ainda não atualizou suas projeções para o futuro e mantém a expectativa de impacto de R$ 800,3 bilhões em uma década. Até 2030, o déficit se manterá na casa dos 3% do PIB. “Considerando vários fatores de incerteza, relacionados à pandemia e ao fluxo de análise dos benefícios pelo INSS, não iremos atualizar as projeções neste momento. É recomendável uma avaliação por prazo mais longo para se determinar exatamente quanto desse resultado decorre diretamente da aprovação das medidas”, explica o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre.
No entanto, a avaliação dentro do governo é que os números obtidos até agora podem, sim, ser indicativo de que a economia será ainda maior. Na quinta-feira (12), o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, verbalizou essa possibilidade, ao dizer que a reforma pode ter efeito de R$ 500 bilhões “nos próximos anos”.
“Não dá ainda para prever, mas é possível. É um indicativo, mas não dá para cravar. Porque esse efeito não é só da PEC (emenda constitucional), engloba também a medida antifraudes e alguma coisa da lei que regulamentou a parte judicial”, afirma o presidente do INSS, Leonardo Rolim.
Capitalização
O assunto está longe de um ponto final. Dentro e fora do governo a avaliação é que será preciso discutir uma nova reforma da Previdência na próxima década para elevar novamente as idades mínimas, unificar ainda mais as regras entre categorias e criar uma camada de capitalização – regime em que o trabalhador contribui para uma conta individual que bancará sua aposentadoria futura. É o modelo que fracassou no Chile.
“A demografia conspira contra o regime de repartição (em que os trabalhadores contribuem para pagar os benefícios de quem já está aposentado). Teremos uma população em idade ativa numericamente muito pequena para sustentar o volume total de benefícios”, afirma o economista Paulo Tafner. “O Brasil precisa uma parte (do regime previdenciário) de solidariedade, para combater a pobreza na velhice, até dois salários, três salários, não mais que isso. O resto, capitalização. Agora, já se mostrou claro que a capitalização pensada pelo ministro Paulo Guedes (sem contribuição do empregador) no Brasil é inviável.”
O presidente do INSS também defende a criação de uma camada de capitalização para quem quiser contribuir para aposentadorias de valor mais elevado. Para ele, quanto mais cedo essa mudança for aprovada, menor será o custo da transição.
Segundo Rolim, além da capitalização, uma das grandes perdas na reforma foi a decisão do Congresso de excluir o “gatilho”, que garantiria elevação automática da idade mínima à medida que a expectativa de vida aumenta. Com isso, cada mudança vai demandar nova alteração na Constituição. Porém, a reforma atual deu tempo ao governo. “Por pelo menos dez anos estamos num cenário seguro.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Pandemia
Boa parte da economia prevista com a reforma da Previdência já foi praticamente consumida pelos gastos do governo para enfrentar a pandemia do novo coronavírus no Brasil. Mas isso não significa que o esforço foi pelo ralo, segundo especialistas.
Para eles, a reforma acabou dando sustentação ao governo para gastar até agora R$ 322 bilhões com o pagamento do auxílio emergencial para a população mais pobre sobreviver aos efeitos da pandemia. Se não fosse a reforma, as incertezas futuras com a trajetória da dívida pública, que se acentuaram nos últimos meses, seriam maiores, impondo condições ainda mais adversas para o Tesouro Nacional emitir títulos e se financiar no mercado.
“Com certeza estaria pior (sem a reforma). É a questão de ver o copo meio cheio ou meio vazio.
De fato a economia de dez anos da emenda foi praticamente consumida pela pandemia, mas ela ocorreria, embora não soubéssemos, de qualquer forma”, avalia o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre. Segundo ele, o importante é que a segunda década de vigência da Nova Previdência trará efeitos ainda maiores.
O economista Pedro Nery, especialista em Previdência, considera que a capacidade de endividamento do país teria sido menor na pandemia sem a reforma. “Tem uma discussão importante acontecendo associando a reforma com a capacidade de pagamento do auxílio”, diz ele.
O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Felipe Salto, que teve papel importante durante a tramitação na previsão de economia com a proposta (enquanto o governo não abria seus números), diz que a emenda ainda não fez efeito para valer. Mas a expectativa é que auxiliará na manutenção do gasto previdenciário como proporção do PIB em trajetória mais controlada ao longo da próxima década. “Os desafios fiscais ainda são enormes e foram exacerbados pela pandemia”, diz.
Fonte: Agência Estado/DomTotal