Governadores cogitam consórcio para financiar e distribuir a Coronavac.
A ideia dos governadores ainda embrionária, porém, esbarra na dificuldade de ter recursos sem apoio federal.
Governadores e secretários de Saúde do país cogitam a possibilidade de se unirem em um consórcio para financiar e distribuir a Coronavac, assim que houver aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A alternativa ganha força diante da possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro ignorar a vacina contra a Covid-19, hoje em desenvolvimento pelo laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantã, por causa de disputas políticas com o governador João Doria (PSDB) e o país de origem do produto.
O plano é visto com bons olhos por especialistas consultados pelo Estadão e o modelo não seria uma novidade total, uma vez que alianças como essa já existem, pelo menos desde 2015, para tentar reduzir a dependência de recursos da União. No caso atual, o ineditismo está no fato de a iniciativa ser resultado de ação descoordenada do governo federal.
Bolsonaro disse à Rádio Jovem Pan que não comprará o imunizante mesmo se liberado pela Anvisa. Há, diz, “descrédito muito grande” da população sobre a Coronavac e a China.
“Essa história de consórcio não é nada de excepcional. Excepcional é ter os Estados fazendo isso em decorrência de uma atitude destrambelhada do presidente. Nem com o ministro general ele conseguiu se entender”, diz Walter Cintra, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV). Para ele, é legítimo que governadores e secretários se organizem dessa forma, mas pondera que as discussões, mais no campo político, são precipitadas, pois ainda não se sabe quando uma vacina segura e eficaz estará disponível.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina também vê apenas vantagens nesse possível modelo para aquisição da coronavac.
Ele afirma que, se o consórcio for consolidado, seria a primeira vez que um imunizante é adquirido diretamente pelos Estados e não pela gestão federal. “Acho que os governadores estão plenos de certeza”, afirma.
Segundo ele, a vacina produzida pela Sinovac BioTech com o Instituto Butantan deve estar disponível, provavelmente, em janeiro “se tudo der certo” enquanto o imunizante da AstraZeneca feito em parceria com a Universidade de Oxford deve chegar somente em abril. “É importante que você tenha esse produto já à disposição da população.”
Vecina observa que o único desafio dessa empreitada será político, caso o presidente Jair Bolsonaro pressione a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para postergar a análise do pedido do Butantan.
“Isso poderia acontecer, mas espero que a agência use da sua autonomia, porque ela não é subordinada ao Ministério da Saúde nem ao presidente”, diz o médico, que fundou e foi presidente do órgão regulador.
“Se tiver orientação nesse aspecto, aí de fato é barbárie. Se isso acontecer, é o pior dos mundos, é desestruturar as instituições. Interferência na Anvisa seria impensável, mas não duvido que possa acontecer”, completa Cintra. O professor concorda que a desvantagem desse modelo de aquisição é não haver uma ação integrada entre governo federal e estadual. “É uma coisa grave Estados terem de se organizar porque o governo federal tomou uma posição prejudicial ao País.”
A possibilidade de os governadores se articularem em consórcio foi adiantada pela Coluna do Estadão.
A ideia ainda embrionária, porém, esbarra na dificuldade de ter recursos sem apoio federal. Representantes de Doria pediram R$ 1,9 bilhão ao Ministério da Saúde no projeto da vacina, mas o valor total pode ser maior. Uma das fontes de recursos estudada para a Coronavac é a Medida Provisória 994, que prevê R$ 2 bilhões para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O dinheiro é destinado ao desenvolvimento de outra vacina, de parceria da farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford (Reino Unido). A ideia seria obter, na tramitação da MP no Congresso, a destinação de parte do montante ao Butantã e à pesquisa da Coronavac.
Em agosto, Doria pressionou a bancada paulista na Câmara para isso.
Em reunião virtual com os deputados, disse que não poderia haver politização da vacina. Ele considerou uma discriminação que a MP destinasse todo o dinheiro só para a Fiocruz e nada ao Butantã.
O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), admite que a ideia do consórcio foi cogitada, mas acredita que haverá outra solução antes. “Bolsonaro está isolado e vai perder essa guerra disparatada. Só teremos cenário mais claro quando as agências reguladoras dos Estados Unidos, União Europeia, Japão e China se posicionarem. E começar vacinação em massa em outros países. Então haverá argumentos suficientes para até mesmo recorrer ao Judiciário”, disse ao Estadão.
Na quarta-feira (21), em vista a Brasília, o diretor do Butantã, Dimas Covas, disse que, se a vacina for aprovada pela Anvisa, as 46 milhões de doses estarão disponíveis para os brasileiros quer a União decida pela compra ou não. “A questão será o financiamento. No momento é uma questão crítica porque obviamente essas vacinas têm custo.” Indagado sobre um possível consórcio na quarta-feira, Doria disse que, por ora, o objetivo é a vacina ser adquirida pelo ministério e distribuída pelo SUS.
Verba
Indicada para relatar a MP da Fiocruz, a deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) disse ao Estadão que não deve acatar emendas para destinar parte da verba ao Butantã, mas defende que a União desembolse. “Entendemos e já conversamos com os deputados que o mais adequado é que tenha recurso específico para o Butantã.” Mariana é da ala de Doria e deve sofrer pressão da bancada paulista para acatar a mudança.
A MP foi assinada em agosto para viabilizar 100 milhões de doses de vacina. Já é válida, mas ainda pode ser alterada pelo Congresso até 3 de dezembro.
Uma mudança precisaria da sanção presidencial. Os deputados Vinicius Poit (Novo-SP) e Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) apresentaram emendas para dar verba ao Butantã. Poit pede R$ 997,480 milhões e Jardim, R$ 500 mil para São Paulo.
Fonte: Agência Estado/Dom Total
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