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Postura do governo em relação à vacina

Discursos contraditórios e interesses eleitoreiros se sobrepõem ao cuidado com a saúde

 

A questão central de saúde pública no momento em que o Brasil conta quase de 155 mil vidas perdidas pela pandemia de Covid-19, as vacinas se tornaram elemento de disputa política. A postura e discursos contraditórios do governo, sobretudo do presidente Jair Bolsonaro, e a falta de visão global, que deixam de lado o interesse da população brasileira, colocam em risco a saúde do povo.

A politização do tema ganhou dimensões inéditas nesta quarta-feira (21), com o presidente desautorizando o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, sobre a intenção de compra da vacina Coronavac, de origem chinesa e com parceria já estabelecida com o Instituto Butantan, instituição de notória excelência em São Paulo.

Há meses, o governo de São Paulo aposta na parceria do Butantan com a Sinovac, empresa chinesa que tem uma das vacinas contra o novo coronavírus em estágio mais avançado nos testes do mundo. Bolsonaro sempre foi crítico à parceria, dando preferência à vacina desenvolvida pela Universidade Oxford (Reino Unido) e pelo laboratório AstraZeneca (Suécia).

Os motivos são dois, ambos absolutamente políticos: primeiro, diz que é a vacina chinesa. Daí, emerge a questão ideológica, sujeita a ataques de fanáticos apoiadores que dispensam qualquer bom-senso, afinal, para eles a China é uma ditadura comunista. O segundo é rivalidade eleitoreira, pois o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) é um possível adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.

O caso tomou proporções absurdas depois que o governo de São Paulo anunciou na terça-feira (20) a intenção do Ministério da Saúde de comprar 46 milhões de doses da “vacina chinesa” Coronavac ainda neste ano, em parceria com o Butantan, órgão administrado pelo governo paulista. A proposta foi acordada entre o ministro da Saúde Pazuello em reunião virtual com 24 governadores. A decisão foi comunicada oficialmente por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa do órgão e publicada no site do ministério.

“A vacina do Butantan será vacina do Brasil”, disse Pazuello no encontro. “O Butantan já é o grande fabricante de vacinas para o Ministério da Saúde, produz 75% das vacinas que nós compramos.” No texto, a pasta deixou claro que a compra estava condicionada à aprovação do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Uma avalanche de críticas de apoiadores nas redes sociais parece ter feito o presidente mudar de ideia. “Presidente, a China é uma ditadura, não compre essa vacina, por favor. Eu só tenho 17 anos e quero ter um futuro, mas sem interferência da ditadura chinesa”, comentou um usuário. O presidente respondeu: “Não será comprada “, em caixa alta. O mandatário chegou a chamar Pazuello de “traidor”.

Bolsonaro se irritou com o acordo entre o ministro Pazuello e o governo paulista. Mas, nos bastidores, Bolsonaro estava ciente e concordou com o acordo. A Folha de S. Paulo publicou que a posição do presidente mudou por causa da reação negativa de apoiadores. O jornal O Globo revelou que assessores do Planalto informaram que Bolsonaro se irritou e teria dito que Pazuello está “querendo aparecer demais, está gostando dos holofotes, como o Mandetta” e que o ministro acabou por entrar num “o jogo político que só interessa ao Doria”.

Mudança de postura

Diante da mudança de postura do Planalto, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, contrariando nota enviada pela própria pasta, afirmou nesta quarta-feira (21), que “houve interpretação equivocada da fala do ministro da Saúde ” sobre a compra de doses da Coronavac e ressaltou que a pasta não firmou “qualquer compromisso com o governo do estado de São Paulo ou com o seu governador no sentido de aquisições de vacinas contra a Covid”.

Em rápido pronunciamento feito na TV Brasil, sem a presença de Pazuello, que estava em isolamento por suspeita de Covid-19 – o que veio a se confirmar -, Franco destacou ainda que “não há intenção da compra de vacinas chinesas”, conforme o presidente já havia declarado em suas redes sociais.

Franco usou o fato de a vacina ainda estar em testes para justificar o recuo da pasta na decisão de compra. “Em momento algum a vacina foi aprovada pela pasta, pois qualquer vacina depende de análise técnica e aprovação pela Anvisa, pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec)”, declarou, mas confirmou que houve, sim, a celebração de um protocolo de intenções com o Butantã, o maior produtor de vacinas usadas no Sistema Único de Saúde (SUS).

Governadores de diferentes partidos e regiões do país criticaram a postura de Bolsonaro de suspender o acordo e saíram em defesa do ministro da Saúde, classificando a decisão de “política, eleitoral e ideológica” e cogitaram até acionar a Justiça para que os estados tenham acesso a todas as vacinas.

O argumento de Bolsonaro e Franco de que não haverá compra da vacina chinesa por ela não ser aprovada ainda pela Anvisa contradiz ato anterior da própria gestão. O ministério já firmou outro acordo bilionário para adquirir uma vacina que ainda está em teste.

Em agosto, o próprio presidente assinou medida provisória liberando R$ 1,9 bilhão em recursos para a compra de 100 milhões de doses da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca. A Postura e compromisso prevê transferência de tecnologia de produção da vacina para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O produto está em fase final de estudos, assim como a Coronavac.

A gestão Bolsonaro também investiu milhões na compra de hidroxicloroquina sem que o medicamento demonstrasse, em estudos científicos, a eficácia no tratamento da covid-19.

Bolsonaro X Doria

Doria mais uma vez rebateu a postura do governo e questionou então se todos os 24 governadores haviam entendido errado a mensagem e ressaltou que em nenhum momento foi dito que a vacina já estava aprovada. “Esperamos que a posição do ministro expressa ontem (terça-feira) seja a do governo Bolsonaro”, disse.

“Conforme vocês puderam acompanhar, aceitando o convite do ministro da Saúde, 24 governadores participaram de uma reunião histórica, acompanhada pelos líderes do governo no Congresso, promoveram essa reunião conciliatória, pacífica e construtiva e com base na ciência e com base na prioridade da saúde da população”, afirmou Doria.

Bolsonaro reagiu, afirmando que faz um “jogo político” e distorceu as palavras de Pazuello. “Parece que é a última cartada dele na busca de popularidade e de resgatar tudo aquilo que ele perdeu durante a pandemia”, disse o presidente. “Grande parte das decisões tomadas pelo senhor João Doria não batiam com aquelas que eu gostaria de tomar caso eu não fosse tolhido pela Justiça”, disse.

Aliados durante a campanha de 2018 desde o início da pandemia, Bolsonaro e Doria têm divergido quanto às medidas de prevenção e combate à Covid-19. A última desavença, intensificada na semana passada, envolveu a vacina contra a doença. Doria defende a vacinação obrigatória, enquanto Bolsonaro tem dito que a imunização será voluntária, o que foi reiterado pelo Ministério da Saúde nesta quarta-feira (21).

Fonte: Dom Total/Agência Estado

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