Se os brasileiros tivessem a verdadeira dimensão do poder do voto, teríamos já um outro país
O ‘depois’ chegou e agora, com aparecimento do Coronavírus trouxe ao país e ao mundo a pandemia da Covid-19 e de um dia para o outro todo cenário econômico mundial estava alterado. O lockdown e o confinamento que tiveram início em uma província da China, receberam apoio imediato da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de seus seguidores, se espalhando pelo planeta.
O “Fique em casa” passou então a ser defendido como a melhor alternativa para se evitar um pico da doença e assim dar tempo para o serviço de saúde se preparar e se adequar para receber todos os pacientes quando o pico chegasse.
Aqueles que questionavam o “fique em casa” eram considerados loucos e inconsequentes. Quando questionados sobre os catastróficos efeitos sobre a economia que o lockdown provocaria, seus defensores rapidamente rebatiam com a seguinte frase: O importante é salvar vidas, a economia resolvemos depois.
No Brasil, o Presidente da república ousou questionar tal medida sugerindo um isolamento vertical, o que vai ao encontro das atuais orientações da OMS que por meio de seu representante na Europa, desaconselhou o lockdown horizontal, admitindo intervenções localizadas ou formas de lockdown verticalizados.
O poder executivo federal foi imediatamente “barrado” pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão sobre o isolamento social e o fechamento ou não da economia passou para as mãos de governadores e prefeitos, saindo assim da instância federal. Ao Governo Federal coube apenas o repasse de verbas e medidas que viessem a minimizar as consequências econômicas.
Com poder de decisão, governadores e prefeitos decretavam o lockdown, (lembrando que o fechamento do comércio e das escolas em Belo Horizonte teve início no dia 16 de março) e com dinheiro da união nas mãos saiam as compras. Daí vieram as compras de respiradores, equipamentos (muitos de qualidade e procedências duvidosas que inclusive estão sendo investigados) e até a construção de grandes hospitais de campanha (alguns nem chegaram a receber pacientes).
Incoerências
Vimos algumas medidas incoerentes serem tomadas em todo o mundo, mas vamos nos ater ao Brasil. Logo nos primeiros meses quando começaram a fechar o comércio e as escolas com a intenção de se manter o afastamento social, algumas prefeituras autorizaram a diminuição da frequência de circulação dos ônibus e metrô municipais, o que provocou a concentração de passageiros nesses veículos. Até hoje não conseguiram nos explicar o motivo dessa diminuição. Seria para não causar prejuízo as empresas? A mesma preocupação não houve quanto ao prejuízo causado a todas as demais atividades que estavam com seus estabelecimentos fechados por decreto do mesmo prefeito.
Nas últimas semanas estamos vendo a reabertura de algumas atividades, mas com fortes normas de restrições de acesso e de horários de funcionamento. Se o objetivo é evitar aglomerações não seria o oposto, ou seja, não seria melhor ampliar os horários de funcionamento evitando que as pessoas tenham um tempo restrito para irem a esses estabelecimentos? O mais estranho é vermos que o horário de votação foi ampliado, justamente para evitar aglomerações.
Aqui em Belo Horizonte os bares estão abertos e podemos ver grandes mesas de amigos confraternizando, mas as escolas continuam fechadas e sem previsão de abertura. Mesma lógica, ou a falta dela, se aplica as cidades litorâneas onde as praias estão lotadas e as salas de aula vazias.
Esse artigo não busca julgar quais medidas são certas ou erradas ou quais previnem ou não a doença, nosso objetivo é apenas apresentar e questionar certas incoerências.
O que o governo federal fez para evitar uma crise econômica ainda pior?
Ao governo federal coube adotar medidas que evitassem ou ao menos amenizassem os efeitos da pandemia na economia do país.
Já em 16 de março, o Governo Federal anuncia a suspensão por três meses do prazo de pagamento pelas empresas do FGTS, provavelmente acreditando que o período de fechamento não chegaria a tanto. Além disso destina R$ 83,4 bilhões para a população mais idosa e mais R$ 60 bilhões para a manutenção de empregos. Libera R$ 5 bilhões de crédito para as micro e pequenas empresas e antecipa para maio a segunda parcela do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS.
Dez dias depois o governo zerava as tarifas de importação de produtos farmacêuticos e médico-hospitalares utilizados no combate à Covid. Estabelecia o auxílio emergencial a trabalhadores informais e desempregados de família de baixa renda, maiores de 18 anos e não elegíveis para outros benefícios sociais que passaram a receber R$ 600 (US $ 120) podendo em determinadas condições dobrar de valor, chegando a R$1.200,00.
A Medida Provisória Nº 936 criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Uma das medidas do programa foi a criação do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) que é pago quando há acordo entre trabalhadores e empregadores nas situações de: redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e suspensão temporária do contrato de trabalho. Esse programa já garantiu a preservação de emprego de mais de 18 milhões de trabalhadores.
Na semana passada com o objetivo de facilitar o acesso a crédito aos microempreendedores individuais (MEI) e às microempresas e empresas de pequeno porte, que são responsáveis por parcela significativa da geração de emprego no país, o Governo Federal liberou a primeira parcela de R$ 5 bilhões do Programa Emergencial de Acesso ao Crédito na modalidade de garantia de recebíveis.
O trabalho remoto de servidores públicos durante a pandemia do novo corona vírus levou o governo federal a economizar cerca de R$ 1 bilhão, considerando a redução de R$ 859 milhões nos gastos de custeio e a diminuição de R$ 161 milhões nos pagamentos de auxílios para os servidores, entre os meses de abril e agosto de 2020.
Estudo da Secretaria Especial de Fazenda aponta que o impacto fiscal das medidas de combate aos efeitos da pandemia da Covid-19 deve atingir R$ 607,2 bilhões em 2020, sendo R$ 20,6 bilhões relativos a reduções de receita e R$ 586,6 bilhões a aumentos de despesa.
Pois bem o “depois” chegou e agora?
Mesmo sem ainda termos uma vacina ou um tratamento cem por cento confiável para a cura da doença, o depois chegou.
Com a abertura gradual da economia ao andarmos pelas ruas podemos perceber alguns dos tristes efeitos da pandemia dentro do país. O fechamento definitivo de inúmeros estabelecimentos como lojas, restaurantes e bares. Cada estabelecimento fechado representa um número de famílias sem trabalho, emprego e renda. Famílias de pessoas honestas, que trabalhavam no dia a dia para levar o pão para casa.
Como podemos ver o aumento de gastos por parte do governo foi inevitável e os benefícios emergenciais foram importantes, mas apesar de todas essas políticas de reação que buscavam amenizar o impacto da crise, os efeitos da pandemia ainda assim são trágicos. O setor que mais emprega no Brasil é o de serviços e foi justamente o mais impactado. Hoje o desemprego segundo o IBGE já atinge 14,3%, totalizando 13,7 milhões de desempregados e a estimativa de queda do PIB brasileiro está em 5,02%, a maior queda na história recente do país.
Uma grande preocupação do governo é como preservar os estímulos criados durante a pandemia pois sua manutenção por muito tempo aumenta gastos e desestimula a busca por emprego. Hoje vemos a possibilidade de uma extensão do benefício com uma redução de valores R$ 600 para R$ 300. Com a preocupação de como será o “desmame” ou seja como ficarão as famílias com essa redução ou pior ainda com o seu fim.
O Brasil apesar de tudo ainda apresenta uma queda menor do que a maioria dos países atingidos, por exemplo estima-se que a queda do PIB do Estados Unidos seja de 6,4%, da União Europeia de 7,2 e da América do Sul de 5,9 a 6%.
Uma preocupação extra é com o ajuste fiscal, para colocar as contas públicas em dia com todos esses gastos extras em função da pandemia, o crescimento das despesas obrigatórias e perdas de receitas. Como já comentamos aqui em textos anteriores, as reformas administrativa e fiscal são absolutamente fundamentais. O simples risco de que elas não venham a ser implementadas gera grave instabilidade para a economia que é refletida, dentre vários elementos, na taxa de câmbio, na inflação, na curva de juros e na capacidade de estado se financiar. As consequências sócias são enormes. Basta olhar para o nosso passado e para países vizinhos como a Venezuela e Argentina.
Por outro lado, programas como o Renda Brasil são fundamentais, mas tem de ser construídos sem desrespeitar o teto de gastos. Um grande desafio que de alguma forma vai demandar novas fontes de receita no que tange o nosso país. Cada custo adicional do estado só pode ser mantido se alguém paga para isso. Política no Brasil não é fácil, mas a construção da solução deve passar necessariamente por ela. Se os brasileiros tivessem a verdadeira dimensão do poder do voto, teríamos já um outro país.
Fonte: *Professor do LATACI e da SKEMA Business School ** Professor da EMGE (Escola de Engenharia e Ciência da Computação)/ DomTotal