Somente orar não é o bastante: o risco do pensamento de superioridade religiosa em tempos de coronavírus
Pois, somente orar e não seguir os protocolos de segurança não torna alguém imune ao Covid-19.
Funcionários desinfetam os ônibus em Yichang, província de Hubei, na China Central.
Já falei em outros textos neste portal sobre a pretensa superioridade que o cristianismo reclamou para si.
Algo que, obviamente, não é de agora, mas existe desde os primeiros séculos da era cristã.
A ideia de que ser cristão lhe torna automaticamente melhor que qualquer outro – seja de outras religiões ou ateu – ainda é bastante comum entre católicos e protestantes.
Muitos acreditam piamente que são mais santos, próximos de Deus, éticos, comprometidos com a verdade etc., simplesmente por professarem determinada doutrina religiosa.
Claramente isso não é um problema somente do cristianismo.
Outras religiões e seitas, em suas correntes mais fundamentalistas, também carregam consigo esse tipo de visão.
Consequentemente, discriminam quem não concorda ou não segue o que acreditam ser vontade da divindade a qual cultuam.
Esse problema, muito presente nas linhas conservadoras de várias religiões, traz mais riscos no momento em que se enfrenta uma pandemia, como a do CODIV-19.
Infelizmente, ainda há pessoas em nosso pais pensando que isso não é nada, senão invenção da mídia para “destruir o Brasil”, ou diversas outras besteiras.
Elas são ditas inclusive por governantes, que deveriam ser os primeiros a agir prontamente nos casos de suspeitas de infecção.
Além disso, ainda há quem, ancorado em um fundamentalismo ingênuo e, como sempre, perigoso, acredite bastar a oração para que “a nação seja libertada” do vírus.
Nesse sentido, o perigo está, justamente, em não tomar as precauções necessárias, como evitar aglomerações, manter distância na hora de cumprimentar etc.
Sob o lema de “basta orar”, mantém-se reuniões, vigílias, cultos lotados e outras práticas, o que somente ajuda na propagação da doença.
Pior ainda são os que acreditam ser o vírus um castigo de Deus aos infiéis ou mesmo um anúncio do apocalipse para o arrependimento e conversão de quem não pertencem à sua religião.
O perigo desse tipo de discurso está no mesmo âmbito do fundamentalismo ingênuo.
A pessoa que crê estar salva acreditará piamente que o vírus não a encontrará porque ele foi enviado somente para os que não estão.
Em qualquer caso como esses, manifesta-se o pensamento de pretensa superioridade religiosa.
Que se considera na religião correta, servindo ao deus certo, cumprindo os mandamentos ordenados, pode pensar estar a salvo de quaisquer intempéries.
Consequentemente, transforma-se, no caso do CODIV-19, propagador do vírus.
Ao longo da história, o cristianismo se omitiu de diversas situações similares.
Não confiando na ciência, cooperou para morte de muitos.
Agora, entretanto, é tarefa das igrejas alertarem sobre a ameaça real do coronavírus, bem como repensar suas formas de culto para diminuir a possível contaminação de outras pessoas.
Isso não quer dizer que se abra mão das orações.
Como cristãos cremos no seu poder e na intervenção divina sobre o mundo. Contudo, de maneira nenhuma se deve negligenciar e deixar de lado as recomendações dadas por quem entende dessa doença.
Orar? Sim e sempre. Juntamente a isso, seguir os protocolos de segurança recomendados pelos profissionais da saúde e cientistas.
Afinal, por meio deles, de sua inteligência e capacidade, Deus interviu diversas vezes ao longo da história para salvação da humanidade.
*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com
Fonte: Dom Total
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