Atualmente na Diocese de Suwon, ao sul de Seul, Pe. Philippe Blot, sacerdote das Missões Estrangeiras de Paris vive na Coreia do Sul há 34 anos. Abriu vários lares que acolhem jovens em dificuldade, alojando inclusive os cerca de vinte que fugiram da Coreia do Norte.
Entrevista conduzida por Marie Duhamel – Cidade do Vaticano
A Coreia do Norte está entre os países mais perigosos para os cristãos, de acordo com uma lista publicada todos os anos pela fundação de direito pontifício “Ajuda à Igreja que Sofre”. No seu último relatório “Perseguidos e Oprimidos”, publicado no final de outubro, a ACN destacou que existe uma única ideologia no país governado pela dinastia Kim, a “Juche”.
Padre Blot, do que se trata?
Após a Guerra da Coreia, o país viu-se dividido em dois. No norte, foi implantado um tipo de comunismo estalinista. Estive na Coreia do Norte duas vezes. Em quase todos os lugares se vê o nome do ditador, na época era Kim Jong-il a quem chamavam de “o sol do século XX”. A propaganda é tamanha que os norte-coreanos são educados para adorar o seu líder. Eles divinizaram o avô, depois Kim Jong-Il, seu filho, e agora Kim Jong-Un (chamado de “Grande Sol do século XXI”). Eles fazem o que o ditador diz, como um só homem. Tudo é controlado pelo ditador e seus asseclas.
Quando o país foi dividido em dois em 1953, como é que o novo regime tratou os cristãos locais?
Massacraram todos os padres e irmãos que ainda estavam lá, incluindo cerca de dez beneditinos, alemães e coreanos. E fizeram a mesma coisa com o que restava da comunidade cristã. Naquela época, importante saber que havia mais cristãos no Norte do que no Sul. Então, por fim, “expulsaram Deus”. Além das Igrejas Católica e Protestante, outras religiões também foram eliminadas. Ao longo dos anos, as pressões externas obrigaram a abrir um pouco as janelas, para que houvesse uma aparência de liberdade religiosa. A Coreia do Norte passou por períodos de fome e queria se beneficiar da ajuda internacional.
É isto que explica a construção de uma catedral em Pyongyang e a fundação de uma associação de católicos norte-coreanos?
Existe uma igreja católica e um templo protestante, mas é tudo mentira. Durante a minha estadia na Coreia do Norte, pedi para poder celebrar Missa no que chamam de Catedral de Pyongyang. Eles sempre recusaram. Durante a Missa, pregamos o Evangelho e eles têm medo do que podemos dizer. Então participei da assembléia de domingo sem sacerdote. Entre as pessoas que ali estavam, todos os norte-coreanos estavam vestidos com roupas tradicionais, cantavam muito bem, mas eram figurantes. Eles são pagos ou obrigados a participar deste encontro. A comunhão foi distribuída. Mas era impossível saber se as hóstias haviam sido consagradas. Isso tudo é falso. É uma vitrine.
O senhor disse que eles tinham medo de ouvir a pregação dos sacerdotes. Como o regime norte-coreano vê o cristianismo?
Para eles, é uma religião estrangeira. E vêem claramente que na Coreia do Sul, mesmo durante a era do regime militar, quando os presidentes pertenciam ao exército, defenderam o cardeal Stephen Kim Sou-hwan. O primeiro cardeal coreano e 11º arcebispo de Seul, que sem dúvida será beatificado em breve, foi o símbolo da liberdade. Ele defendeu os pobres, os trabalhadores, etc. Tudo isto os assusta, porque com todas as injustiças, as perseguições que ocorrem na Coreia do Norte… Principalmente porque não cuidam nem das doenças, nem dos pobres: acabam com eles conforme lhes convém. No Norte não há liberdade e eles sabem que o cristianismo, e sobretudo Jesus, defendem a liberdade. Na opinião deles, o cristianismo representa uma forma de contrapoder. Eles sabem que os cristãos podem suportar muita coisa enquanto são perseguidos. Os verdadeiros cristãos nunca renegarão a sua fé, e isto é inaceitável para Kim Jong-Un, que se considera acima de Deus. Os cristãos, se escolherem a Deus, são enviados para campos ou são mortos no local. A perseguição é muito dura.
A Coreia do Norte foi ocupada pelos japoneses. Passou para as mãos dos comunistas após a Segunda Guerra e viveu sob o controlo dos Kim durante mais de 70 anos. Como, depois de todas estas décadas de provação, podemos ter a certeza de que ainda existem cristãos neste país quase, praticamente isolados do mundo?
Há principalmente protestantes, e sabemos disso, porque alguns dos norte-coreanos que vivem perto da fronteira têm parte da sua família estabelecida na China por diferentes razões. Antes da pandemia de Covid-19, um acordo entre a China e a Coreia do Norte permitia aos norte-coreanos visitar os seus entes queridos do outro lado da fronteira duas ou três vezes por mês. Passaram lá dois ou três dias e regressaram, claro, à Coreia do Norte. Mas durante a sua estadia na China, alguns conheceram a Deus, encontraram pastores por lá, alguns foram batizados e quiseram partilhar a sua fé. Mas, na Coreia do Norte, muitos foram presos, especialmente aqueles que levaram Bíblias, o que é proibido. Hoje, eles não carregam mais Bíblias – é muito perigoso, mas sim chaves USB. Muitas chaves USB circulam secretamente na Coreia do Norte. Nelas é possível ter a Bíblia, lições de catecismo, canções para encorajar as pessoas a rezar. Quando estive na China [padre Blot fez várias viagens para lá desde 2010, ndr], também ofereci minicassetes àqueles que não queriam fugir do seu país, para que pudessem rezar e apoiá-los na sua oração, porque é a única coisa a fazer. Mas se você for pego com as chaves USB ou minicassetes em sua posse… teria preferido que isso não ocorresse.
Antes de falarmos sobre os riscos que correm se forem descobertos, o que significa viver na clandestinidade na Coreia do Norte?
Viver escondido significa antes de tudo falar em sussurros. Os pais ensinam os netos a partir dos dois ou três anos a não falar alto em casa. Também os ensinam quando saem, seja para a escola, para trabalhar no campo ou para passear um pouco pela rua para se divertir com os amigos, a nunca falar sobre o que acontece em casa. Porque a denúncia é abundante no regime norte-coreano. As pessoas denunciam umas às outras. Se alguém tiver uma palavra dura contra este ou aquele alto funcionário, ou se você rezar, você será preso no local e levado para os campos. Às vezes, os presos são condenados à morte no local para dar o exemplo. Antes eram mortos em porões, mas agora fazem isso abertamente para dar o exemplo, para que todos fiquem atentos e não violem as leis. Devemos também levar em consideração que eles têm que viver em segredo, todos os dias, durante toda a vida, sob pena de serem pegos a qualquer momento. Impera a lei do silêncio. Nas famílias, falamos baixinho em casa e não falamos de nada lá fora.
Que testemunho esta Igreja, escondida e forçada ao silêncio, pode dar hoje?
Este é o testemunho dos cristãos das catacumbas, como o dos cristãos do início do Império em Roma. Claro, sem clero, sem nada, com “líderes de oração”, comunidades. Mas muitos são pegos. Eles têm uma coragem extraordinária. Porque muitos deles não desistem, continuam a rezar, porque é isso que os mantém vivos. Vivem numa tamanha pobreza, sob um fardo tão pesado sobre os ombros, que a sua forma de “libertar-se” é rezar ao Senhor. É isso que os faz viver, e eles não querem abandonar isso, tomam todos os cuidados possíveis. É realmente um exemplo vê-los continuar a rezar apesar das dificuldades e das ameaças. Este é um testemunho extraordinário. E nós, para ajudá-los, simplesmente temos nossas orações.
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A Igreja sul-coreana, proveniente do mesmo povo, é a primeira afetada e preocupada com o destino dos seus irmãos do outro lado da linha de demarcação. O que ela se propõe a fazer?
Há vários anos, os bispos coreanos pedem todos os dias às 21h para rezar o Pai Nosso, uma Ave Maria e um Glória a Deus para os cristãos, para que continuem a sobreviver. Rezamos também, claro, pela reunificação e pacificação do país. Antes de o país ser dividido em dois, eles matavam-se uns aos outros. Os comunistas cometeram massacres terríveis antes de serem empurrados de volta para o Norte. Há duas feridas graves, sobretudo entre os idosos [nenhum tratado de paz foi assinado desde a divisão da península, ndr.]. Além da oração vespertina, todos os meses durante anos, na nova diocese de Uijongbu [erigida em 2004, e localizada na fronteira com a Coreia do Norte, ndr.], uma marcha pela paz e pela reunificação reúne leigos, religiosos e sacerdotes coreanos na belíssima Paróquia da Paz. Missas são celebradas regularmente na Catedral de Myeongdong, em Seul, com essas mesmas intenções. São muito ativos e esperam apenas uma coisa, um milagre, felizmente: se o regime comunista cair, estão prontos para enviar sacerdotes e voluntários da noite para o dia para os ajudar.
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