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Francisco: “Alguma crítica? Que digam na minha cara”

É a típica “solidão papal” Em entrevista à Associated Press, o pontífice faz duras críticas aos “falsos camaradas”.
Papa Francisco durante a audiência geral de quarta-feira

 Papa Francisco durante a audiência geral de quarta-feira | Vatican Media

Mirticeli Medeiros*

Na semana passada, falamos sobre os falsos amigos do Papa. E reforçamos que, nisto, não há nenhuma novidade, haja vista que em meio às tramas da corte papal, desde que a instituição se estruturou como tal – lá pelos idos dos séculos VI-VIII -, não faltam intrigas e traições pelos corredores dos sagrados palácios.

Isso não quer dizer que devemos interpretar tudo ao estilo Dan Brown, com suas firulas e exageros, mas é justo admitir que estamos diante de uma instituição humana que, como tal, também lida com as limitações de seus membros.

Dito isso, é bom frisar que Francisco tem consciência, desde que assumiu o governo da Igreja, do quanto seria desafiador para ele impor-se como um papa reformador. Isso porque, historicamente, a Igreja Católica é resistente a reformas.

Só para citar um exemplo, o próprio Concílio Lateranense V (1512-1517) foi um fisco justamente porque, embora tenha sido convocado após a constatação de que o catolicismo passava por uma crise, a ideia de uma societas perfecta que não precisa de retoques estruturais prevaleceu.

E, infelizmente, muito embora o Concílio Vaticano II tenha representado um divisor de águas nesse sentido, com sua eclesiologia do povo de Deus, essa ideia fixa de que a instituição não precisa de mudanças frente aos desafios do mundo moderno é bem evidente.

A verdade é que é muito confortável para alguns manter a Igreja como uma estrutura monárquica que sustenta uma rede de privilégios. Sendo assim, o líder da Igreja Católica atual, que vai justamente contra esse modelo, acaba se tornando uma ameaça.

“Que as críticas sejam ditas na cara.

Em entrevista à Associated Press, publicada esta semana, Francisco alfinetou o ex-secretário de Bento XVI, Georg Gänswein, que não poupou críticas a ele após a morte do papa emérito.

“Que as críticas sejam ditas na cara. Assim crescemos, não é? Alguns preferem que não critiquem por amor à tranquilidade, mas eu prefiro que o façam porque significa que existe liberdade de expressão. Não estamos em uma ditadura da distância, onde o imperador está ali e ninguém lhe pode dizer nada. Não! Deixemos que falem porque as críticas nos ajudam a crescer e a melhorar nas coisas”, ressaltou o pontífice.

O bispo alemão, que trabalhou ao lado de Bento XVI por mais de 20 anos, completamente contra ao respeito que o papa emérito nutria pelo seu sucessor. E o mais incrível é que ele esperou justamente que o Ratzinger morresse para expor seu descontentamento.

Indo ao encontro do que refletimos anteriormente, o próprio Francisco destaca que tais críticas não foram motivadas por Bento XVI, mas seus opositores usaram sua morte como ocasião propícia para expor, mais uma vez, o desconforto com seu governo.

É a típica “solidão papal”

Aliás, são os mesmos grupos que sempre usaram o papa emérito como baluarte de uma batalha que Ratzinger nunca comprou. Certamente, ambos os pontífices tinham divergências, uma vez que, como é natural acontecer, cada qual adotou um estilo de governo diferente. Mesmo assim, ambos nunca ultrapassaram a margem do respeito recíproco.

Nessa mesma entrevista, inclusive, Francisco lamentou a morte de seu antecessor e afirmou, mais uma vez, que ele atuou como um grande conselheiro ao longo de seu pontificado.

Os ataques dos “camaradas”, que não poupam as tapinhas nas costas do Papa quando lhes convém, tendem a cair no esquecimento, já que tais contendas só servem para gerar conteúdo nas redes dos guetos católicos que vivem um cisma velado e um rancor contínuo.

Como a saúde mental do papa vai bem, obrigada!, ele segue seu programa e sua inspiração, consciente daquilo lhe aguarda. É a típica “solidão papal” que, ao contrário do que se pensa, gera um impacto maior e mais positivo para a instituição. E a história está aí para comprovar.

Mirticeli Medeiros

*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras.

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