José do Advento
“José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa…” (Mt 1,20)
A liturgia do quarto domingo do Advento nos motiva a buscar inspiração na pessoa de S. José, indicando-o como apoio e guia nos momentos de obscuridade e de dificuldade; ele é o homem do discernimento que, na solidão, no silêncio e na atenção ao seu coração, vai vislumbrando o caminho a assumir e a decisão a ser tomada. Sua presença silenciosa põe em destaque a pessoa de Maria que, por seu “fiat” e sua maternidade se revela a protagonista do Advento.
No contexto do mistério da Encarnação José se revela como um personagem de “segundo plano”, discreto e silencioso, recordando-nos o protagonismo oculto, mas imprescindível, de todos(as) aqueles(as) que atuam em favor do Reino, aparentemente escondidos(as) ou na “segunda fila”.
O Advento realça o valor de todas essas pessoas que não são como os cata-ventos que brilham no alto, mas vigas que sustentam o edifício no porão, e que tecem o essencial da existência. Pessoas aparentemente anônimas – mães, mestres, avós, amigos – que estão aí ajudando a construir um novo mundo, às vezes sem o reconhecimento por sua atitude sem preço. Assim também foi o caso do próprio Jesus de Nazaré, durante a maior parte de sua vida.
Neste 4º. domingo do Advento, fazemos memória de S. José como o referente de todas as pessoas que vivem uma profunda fidelidade a Deus, quase sem serem percebidas, mas com um protagonismo sem igual na história da Boa Notícia. O mundo precisa de homens e mulheres de discreta e humilde presença para sustentar os outros, sobretudo aqueles que carecem dos recursos necessários e vínculos humanos.
A atitude de José, homem de “segunda fila”, revela uma humildade e uma confiança tão cheia de generosidade como de incompreensão. Também foi grande o seu “fiat”. Abandonou-se no mistério de Deus, e isto implicou assumir uma missão incômoda que, certamente, não foi compreendida e aceita entre seus parentes e vizinhos; com plena disponibilidade e fé adulta acolheu os planos de Deus sem exigir maiores explicações. Seu lugar, a partir de então, é de “segunda fila”, cuidando amorosamente de sua família e renunciando todo protagonismo de intenso brilho.
S. José é conhecido como o santo do Advento porque neste tempo nos ensina com sua vida a atitude da espera e da confiança total em Deus que sempre cumpre suas promessas, embora, às vezes não coincidam com nossos planos. Com S. José podemos aprender de sua fé e sua humildade a dobrar nosso ego; sua valentia nos inspira a viver com mais disponibilidade; seu despojamento nos ajuda a afastar de nossa vida a busca de ostentação e vanglória… Atitudes estas que certamente acabaram lhe proporcionando uma verdadeira paz interior.
José de Nazaré foi aquele que se abriu ao Deus surpreendente e deixou-se conduzir por Ele. Dele não se diz muito nos evangelhos, mas o que ali se diz nos revela uma presença surpreendente, capaz de ver mais além do cotidiano e estabelecido. Presença que aponta para uma outra presença, a de Jesus.
Lendo o Evangelho com uma sensibilidade mais apurada podemos encontrar, com facilidade, uma descrição muito aproximada de quem era José, da casa de Davi. Em cada gesto de Jesus, revelava-se um ensinamento do Pai e de seu pai José; em cada parábola havia uma expressão da natureza e da terra com o selo de José, e uma mensagem espiritual inspirado a partir do alto. Em cada cura que Jesus realizava havia um modo e uma sensibilidade de tratar o enfermo, o desvalido, herdados da tradição mantida por José; e à hora de orar havia um hábito criado na casa de seu pai, fiel cumpridor da lei mosaica e aberto à novidade e ao mistério que seu filho Jesus deixava transparecer.
Enfim, quem, senão José, juntamente com Maria, pôde ensinar a Jesus a tratar às pessoas, a servir os mais pobres, a olhar, a falar, a sorrir…!
Seria um equívoco considerar José uma espécie de marionete nas mãos de Deus, ou que fosse atropelado na sua liberdade. A mensagem evangélica tem como ponto de partida a convicção de ser possível o ser humano “escutar e praticar” a vontade de Deus, mesmo quando lhe é pedido algo, à primeira vista, superior à capacidade de suportar. José não deu mostras de agir a contragosto, acuado, pressionado ou duvidoso. Agiu com a liberdade de quem sabe o que faz, colocando-se à inteira disposição de Deus, com total generosidade. Ele conhecia as bases em que se fundamenta sua relação com Deus, onde se enraíza sua disposição para viver em profunda sintonia com Aquele que conduz a história para a sua plenitude.
José, na sua vocação paterna, torna-se “diá-fano” de Deus Pai (deixa transparecer a imagem paterna/materna de Deus). Através do seu modo de ser e de agir, carregado de silêncio inspirador, José, não só revela uma profunda comunhão com Aquele que o chamou a assumir a vocação paterna, mas deixou “fluir”, no cotidiano e na simplicidade de sua vida, os atributos d’Aquele que o conduzia. O coração de José passa a pulsar em acorde com o coração de Deus Pai: a Paternidade divina flui na paternidade humana.
Deus Pai encontrou liberdade para ativar e tornar visível em José as características próprias de um pai:
“Não se nasce pai, torna-se tal… E não se torna pai, apenas porque se colocou no mundo um filho, mas porque se cuida responsavelmente dele. Sempre que alguém assume a responsabilidade pela vida de outrem, em certo sentido exercita a paternidade a seu respeito”. (Papa Francisco, Patris Corde)
Porque estava presente a Deus, José fez-se presente nos momentos decisivos da Família de Nazaré, bem como fez-se presente na vida das pessoas. Uma presença que faz a diferença: presença solidária, marcada pela atenção, prontidão e sensibilidade, próprias de um pai que acompanha tudo com ternura.
Sua presença não era presença anônima, mas comprometida; presença que é “música calada” nos lugares cotidianos e escondidos, que sabe enternecer-se e escutar as inquietações que procedem desses lugares. Uma presença que descobre o próximo no próximo, que sabe resgatar a solidariedade na vida cotidiana; uma presença que se manifesta na ausência de recompensa ou de interesse próprio.
Em meio à rotina de uma vida simples, José foi fazendo-se perguntas, esperando as respostas, ouvindo o que seu coração lhe dizia e discernindo o que Deus queria dele. Ano após ano, em um pequeno lugar, detrás de uma vida que nada tinha de diferente das outras vidas.
José, em Nazaré, continua sendo luminoso e inspirador para todos nós, num momento em que as transformações são rápidas e exigem de nós maturidade, aprendizado, diálogo, novas expressões de fé…
Como homem, José precisou passar pelo processo do amadurecimento lento, lançando mão de todos os recursos que encontrou em seu próprio interior e ao seu redor.
Cozinhar a fogo lento é bem difícil neste mundo de pressas e imediatismos. E hoje, mais do que nunca, se fazem necessários os “tempos de Nazaré”, esses tempos de aparente rotina nos quais se alimentam os sonhos, onde se forjam as vontades, se domam as impaciências, se aclaram os caminhos, se discerne a Voz, se dissipam as névoas do caminho… Em definitiva, esse tempo onde nosso canto e o de Deus se afinam juntos para formar uma única melodia e fazê-la ressoar no mundo.
Texto bíblico: Mt 1,18-24
Na oração: Deus nunca deixa de atuar no meio das nossas noites, dúvidas, provações. Ele conhece nossos pensamentos e temores. E, no momento certo, nos liberta dos nossos medos e nos dá a conhecer sua Vontade.
– Recordar momentos de dúvidas, incertezas, desolações…, mas que lhe ajudaram a amadurecer na fé e na adesão ao projeto de Deus.
– Diante de pequenas ou grandes decisões: há espaço e tempo de discernimento? de escuta atenta?