A técnica do pintor Rembrandt esclarece como funcionam as parábolas
As parábolas são refletidas de diferentes maneiras em diferentes contextos e ouvidas de várias maneiras por vários ouvintes
NCR
Meu pai adorava parábolas (histórias que ensinam, histórias que apresentam ideias e a moral de uma maneira que cria imagens na mente das pessoas, porque ele acreditava que as histórias eram tão importantes como ferramentas de ensino.
Se estudadas e entendidas corretamente, “as parábolas receberão uma interpretação semelhante”. Assim escreveu Irineu, o teólogo cristão do segundo século, em Contra as Heresias: Livro Dois. Essa afirmação imprecisa, no entanto, pode ser facilmente refutada pelas próprias interpretações das parábolas de Irineu, para não mencionar a infinidade de diferentes interpretações das parábolas de Jesus que ocorreram ao longo dos séculos intermediários. Embora algumas parábolas sejam relativamente simples e diretas, outras podem ser evasivas, enigmáticas e encorajar uma variedade de interpretações, pois essas narrativas curtas continuam desafiando nossas mentes, corações e imaginações.
À medida que os estudiosos exploram o que significam as parábolas, essas “ferramentas de ensino”, também tentam descobrir como as parábolas funcionam, é como produzem significado, através das formas literárias ou retóricas pelas quais procuram se comunicar e persuadir. Um componente crítico, como Octavia Butler coloca, é como criam “imagens na mente das pessoas”, o que corresponde ao argumento do estudioso do Novo Testamento C. H. Dodd, que afirmou que as parábolas de Jesus “são a expressão natural da mente que vê verdade em imagens concretas ao invés de concebê-la em abstrações”.
Como devemos entender as “imagens” que essas antigas parábolas criam na mente dos ouvintes de hoje? Para responder a essa pergunta, é útil explorar como as parábolas “funcionam” de maneira semelhante às imagens, como ilustra uma intrigante pintura de Rembrandt. Esta exploração lança alguma luz sobre por que as parábolas, como as imagens, podem produzir múltiplas respostas ou significados:
A sala está escura, iluminada por uma única vela. Um homem idoso está sentado em uma mesa sobrecarregada com livros e papéis, alguns textos no que parece ser uma escrita hebraica. O homem, com óculos sobre o nariz, examina pensativamente uma moeda. A mão que segura a moeda, com os dedos parcialmente translúcidos pela luz da vela, impede o espectador de ver a vela diretamente, mas sua luz brilhante ilumina o homem, uma pequena área da mesa e outros elementos na sala escura.
Todos os elementos não essenciais estão envoltos em sombras. Sobre a mesa há uma balança de ouro com uma caixa de pesos, bem como pilhas caóticas de livros e papéis, com um enorme (conta?) livro aberto à direita do homem, através do qual grandes X foram marcados em algumas notas. O rosto do homem está brilhantemente iluminado e vemos praticamente todos os detalhes de seu rosto envelhecido e enrugado, incluindo o nariz avermelhado, a orelha direita e as pálpebras, bem como as sombras suaves produzidas pelos óculos, enquanto olha para a moeda em sua mão. Outras moedas na escrivaninha brilham no brilho refletido da luz da vela, assim como as insígnias no ombro do homem. A gola chique em volta do pescoço também brilha na luz, que então reflete ainda mais luz no rosto do homem.
Quem é este homem e o que esta pintura diz aos seus espectadores? A pintura resiste à caracterização e deixa muitas perguntas sem resposta, até mesmo o título e o assunto da obra são contestados. Alguns estudiosos argumentam que é uma representação da parábola do rico insensato em Lucas 12,16-20, mas a Gemäldegalerie em Berlim (corretamente) a intitula “O cambista” (Der Geldwechsler).
As parábolas podem criar imagens vívidas na mente, mas, como esta pintura de Rembrandt, essas imagens são muitas vezes enigmáticas e às vezes misteriosas (por exemplo, um significado da palavra usada em hebraico para parábola, mashal, pode ser “enigma”). Por exemplo, William Blake comparou sua arte com as parábolas e fábulas de Esopo e declarou: “O mais sábio dos Antigos considerava o que não é muito Explícito como o mais adequado para a Instrução porque estimula as faculdades a agir”. Ou, como disse Dodd, uma parábola deixa “a mente com dúvidas suficientes sobre sua aplicação precisa provocando o pensamento ativo”. Esse aspecto das parábolas pode dar-lhes um tremendo poder para afetar seus ouvintes e leitores de várias maneiras, desafiando-os a mudar suas atitudes, crenças e comportamentos.
Em termos retóricos, tanto as parábolas quanto as imagens visuais costumam funcionar de maneira análoga aos entimemas. Um entimema é um silogismo com uma premissa não declarada, uma das duas proposições em que se baseia a conclusão de um silogismo. Um silogismo completo contém duas premissas explicitamente declaradas que levam a uma conclusão necessária, como este famoso silogismo sobre Sócrates:
Todos os humanos são mortais;
Sócrates é humano;
Portanto, Sócrates é mortal.
Ao contrário dos silogismos, os entimemas omitem uma premissa e a premissa não declarada deve ser fornecida pelo público. O silogismo acima sobre Sócrates, por exemplo, facilmente se transforma em um entimema (todos os humanos são mortais; portanto, Sócrates é mortal), pois é simples o suficiente para suprir a proposição de que Sócrates era humano.
Parábolas e imagens visuais, portanto, podem ser entimemáticas por omitir “premissas” de um tipo ou de outro, levando à ambiguidade e múltiplos significados. O processo entimemático provoca respostas divergentes à medida que os intérpretes se esforçam para compreendê-las, uma vez que nem todos os membros da audiência visualizam a premissa que falta da mesma maneira.
Às vezes, em parábolas e imagens visuais, a “premissa que falta” pode ser omitida involuntariamente. Muitas suposições sociais e culturais em textos antigos, por exemplo, são incompreensíveis para a maioria dos leitores modernos. Assim, um papel fundamental para os intérpretes é se esforçar para entender os significados das parábolas nos contextos da vida e ministério de Jesus, tentando preencher as “premissas que faltam” ou lacunas com informações históricas, sociais e culturais, e então contextualizar as parábolas de Jesus autenticamente – tornando-as relevantes para a sociedade contemporânea sem anacronizar ou domesticar sua mensagem.
Além disso, devido à natureza das parábolas e imagens visuais, uma premissa ou outras “lacunas” são intencionalmente omitidas, como é o caso da pintura de Rembrandt.
A iluminação destaca o personagem principal e a profundidade psicológica aberta pela brilhante manipulação de luz e sombra (claro-escuro) de Rembrandt é aparentemente sem fundo e, junto com o distanciamento aparentemente introspectivo do homem, também cria uma sensação de mistério. Isto é, temos uma forte sensação de que algo profundamente sério está acontecendo na mente desse homem, mas a natureza precisa de seus pensamentos e sentimentos é, na melhor das hipóteses, apenas obscuramente implícita.
Rembrandt usa o claro-escuro tanto como um meio dramático de retratar uma cena quanto como uma maneira eficaz de sugerir um caráter interior com uma visão psicológica sutilmente retratada com um senso de mistério. Os raios de luz são refletidos de várias maneiras e em diversos lugares, assim como as parábolas são refletidas de diferentes maneiras em diferentes contextos e ouvidas de várias maneiras por vários ouvintes. Rembrandt ilumina alguns objetos com clareza, enquanto outros aspectos permanecem obscuros ou obscuros, colocados deliberadamente nas sombras, criando incertezas e provocando debates.
De maneira semelhante, as parábolas de Jesus iluminam algumas coisas tão claras quanto o dia. Outros aspectos tornam-se mais claros à medida que aprendemos cada vez mais sobre os contextos do primeiro século em que Jesus viveu e seus seguidores preservaram, transmitiram e transformaram suas palavras. Enquanto isso, ainda outros elementos, por causa da natureza da palavra parabólica, permanecem deliberadamente nas sombras, provocando nossas respostas à medida que nos esforçamos para entender as parábolas de Jesus mais claramente em seu contexto e no nosso procurando mudar nossas atitudes, crenças e comportamentos de acordo com a mensagem.
Traduzido por Ramón Lara.
Dom Total