Viver Evangelizando

Não acho que deveríamos proibir ninguém da Eucaristia

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Não acho que deveríamos proibir ninguém da Eucaristia

Jesus nunca vem com uma ameaça, nunca ensina retendo sua presença, mesmo que gaste sua vida

America

Eu amo a Eucaristia.

Com efeito, não há momento do meu dia em que me sinto mais eu mesmo do que quando celebro, em comunidade de fé, o mistério de amor que nos foi dado no altar. Nesta mesa, o espírito de Deus cumpre a promessa de Cristo ao transformar as dádivas do campo e da videira no corpo e sangue do Senhor. Aqui o pão e o vinho, presentes dados gratuitamente a nós, que agora devolvemos em oferta, tornam-se a presença de Deus. Isto ocorre não por poder do sacerdote nem por mérito dos presentes, mas pela fidelidade de Cristo, que responde constantemente à fé do povo de Deus com amor encarnado. Aqui o dom do Espírito é oferecido a nós através deste memorial vivo da morte e ressurreição de Cristo.

Nessa troca, o papel do padre é o de ministro, servo daquele que prepara a festa e porta-voz da Igreja que se reúne para recebê-la. Esta comunhão com Deus não é mágica. As palavras de instituição e consagração não são encantamentos que forçam Deus a agir. Pelo contrário, é um milagre, uma ação livre de Deus, além de qualquer coisa que a natureza possa alcançar ou que os seres humanos possam legitimamente esperar. De todos os sacramentos, a Eucaristia é o mais precioso, porque na sua simplicidade proclama tudo o que se realiza através da encarnação: o acolhimento do estrangeiro, a cura do pecador, a inclusão do alienado, a santificação do povo de Deus através da comunhão constante e irrevogável em Cristo. Estas não são coisas que realizamos ou ganhamos, mas coisas que Deus realiza em nós e para nós, sempre que estamos com fome no altar, sempre que abrimos nossos corações e mãos para receber o dom de Deus.

O pecado original da Igreja, o clericalismo, surge quando aqueles chamados a ministrar os sacramentos começam a acreditar que os sacramentos lhes pertencem, ou são um produto de seu poder especial como vasos escolhidos de Deus. Nesses casos, ao invés de ser um servo à mesa do Senhor, o ministro ordenado passa a agir como se fosse o anfitrião, habilitado a estabelecer critérios de acolhimento não presentes no exemplo de Cristo. A própria Eucaristia, mistério da presença de Cristo dado ao povo de Deus, torna-se um instrumento a ser usado segundo o critério do clérigo governante. Nesses tempos, o acesso ao sacramento é negado ou concedido, não segundo a consciência pela qual Deus fala ao coração do indivíduo, mas segundo o poder da autoridade clerical.

Tal visão é contrária à prática de Jesus no Novo Testamento e à noção de ministério exemplificada na igreja primitiva. Longe de serem os porteiros da Eucaristia, os ordenados são chamados a ajudar o dom da Eucaristia a tornar-se plenamente visível para o povo de Deus, acolhendo e convidando todas as pessoas à imitação de Cristo. Neste papel, pode-se citar São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim” (Gl 2,20).

Como nos lembra o Papa Francisco, esse ministério deve inspirar humildade em todos os chamados pastores, pois os dons que ministramos não nos pertencem. Não é por nossa bondade que a mesa é posta, não é por nosso poder que os elementos comuns de pão e vinho se tornam vasos de graça e presença divina, não é por nossa virtude que o espírito de Deus se move nos corações dos crentes. Tudo isso é obra de Cristo, por meio de seu corpo a Igreja.

Ao contrário do sacerdócio de Arão no Antigo Testamento, os ministros da igreja de Cristo não são escolhidos exclusivamente para passar pela cortina do santuário e fazer sacrifícios a Deus em favor do povo. Jesus Cristo, o Filho de Deus, ofereceu esse sacrifício de uma vez por todas, e através do dom do Espírito Santo no Pentecostes, o santuário santo agora se tornou o mundo inteiro.

Isso é o que o Concílio Vaticano II quis dizer com “o sacerdócio de todos os fiéis”. Embora alguns de nós possam ser chamados para o serviço vitalício por meio da ordenação, tal ordenação não coloca um clérigo acima da Igreja. Não faz do padre ou do bispo um mediador entre Deus e o povo de Deus. Pelo contrário, a ordenação faz de alguém um servo da mediação que o próprio Cristo realizou através do sangue de sua cruz.

Hoje, enquanto o Papa Francisco promove a humildade na liderança pastoral, onde “aqueles que pregam… reconhecem o coração de sua comunidade e… veem onde o desejo de Deus é vivo e ardente”, há outros na Igreja que desejam controlar o acesso ao Eucaristia, e usar o corpo e o sangue de Cristo como um porrete para punir ou treinar. Ignorando que o sacramento é Cristo e pertence a Cristo, tais autoridades eclesiásticas, por iniciativa própria e muitas vezes em oposição à igreja maior, assumem o papel de guardiã do altar ou de segurança da festa – usurpando o papel de Cristo que chama todos para a mesa.

Neste sacramento, Jesus fala ao coração do seu povo e forma-o enquanto o alimenta. Cristo nunca retém comida para impor obediência; antes, põe sua mesa entre os pecadores e ganha seus corações derramando seu próprio corpo e sangue. A submissão a ele vem de sua submissão em amor a nós. Seu ensino vem em palavras e atos, na cura do leproso e na vocação do publicano. Jesus nunca vem com uma ameaça, nunca ensina retendo sua presença, mesmo que gaste sua vida.

Embora devamos, com humildade, respeitar a autoridade dos mestres na Igreja, aqueles que procuram ensinar retendo a Eucaristia abusam do próprio sacramento que alegam defender.

Mesmo que coloquemos entre parênteses a questão da intercomunhão entre diferentes igrejas cristãs e reconheçamos que, por meio de um processo justo e em circunstâncias extremas, um católico batizado pode ser aprovado pela Igreja, devemos questionar o bispo individual que usa a Eucaristia de maneira preventiva, sem processo ou recurso.

Aquele que procura ensinar retendo a Eucaristia abusa do próprio sacramento que afirma defender. Pois se é Cristo, vivo na igreja, que põe a mesa e faz a lista de convidados, que dá o seu corpo como alimento para mostrar a vastidão do seu amor, quem sou eu, ainda que tenha recebido um alto cargo, para alterar seu convite de maneira contrária ao exemplo de Jesus? Nenhum indivíduo chamado para servir à mesa é maior do que Aquele que a põe, mas deve submeter-se humildemente à sua orientação, ou deixar a mesa para outros.

Eu amo a Eucaristia e, embora saiba que não a mereço, estou feliz por estar aqui, com todos os outros pecadores.

Traduzido por Ramón Lara

Dom Total

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