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Crônicas do Rio Doce 1: fundo do rio virou asfalto

Crônicas do Rio Doce 1: fundo do rio virou asfalto

Por mais que a paisagem em volta permaneça linda o rio que a corta está severamente doente

Por onde a gente começa? Por onde o rio termina lá na praia de Regência no Espírito Santo? Ou em Ressaquinha, próxima a Conselheiro Lafaiete onde nasce o principal afluente do machucado e gigantesco rio Doce que percorre 853 quilômetros que abaixo da barragem do Fundão em Mariana ainda é pura devastação, com o perdão da rima sem solução.

Tive o privilégio e a tristeza de durante 18 dias fazer uma longa viagem de mais de 3000 kms (ida e volta) acompanhando o rio por Minas Gerais e Espírito Santos e, às suas margens, o que vi foi desalento , descaso, gente maltratada sem poder cultivar ou pescar, indenizações que demoram, advogados oportunistas que lesam atingidos pelo desastre da mineradora Vale&Samarco que no dia 5 de novembro de 2015 perpetrou um dos maiores desastres ambientais do planeta quando por descaso e descuido deixaram romper a barragem do Fundão em Mariana (MG) o que provocou 19 mortes mas uma devastação e consequências ambientais danosas muito maiores que o desastre de Brumadinho anos depois que teve maior letalidade (272 mortos) mas consequências posteriores menos fatídicas.

No caso do desastre da Samarco o que acontece é um conta gotas de fatalidades na população atingida- que vem matando durante os anos seguintes – gente por depressão , contaminação com metais pesados e outros muitos males ainda pouco mapeados. Contra fatos não há argumentos. Contra as explicações pouco claras da Renova ( empresa criada pra “passar o pano” para Samarco&Vale) há sedimentos que se acumulam, em média, a 20 metros abaixo do leito do rio e mesmo no mar ali no Espírito Santo. Há relatos de que esses sedimentos tóxicos ( inclusive revolvidos na enchente desse ano) são tão sólidos quanto uma camada asfáltica . “Tenta espetar um pedaço de pau no fundo do rio para você ver se consegue” alertou um calejado pescador na região de Santa Cruz do Escalvado (MG).

Por mais que a paisagem em volta permaneça linda o rio que a corta está severamente doente. E ele é literalmente um companheiro de todos os que foram atingidos como bem diz a combativa Joelma de Ilha Brava quando , nunca resignada, diz : “ Dinheiro acaba, companheirismo não. O rio é nosso companheiro”.

Também companheiro ,mas esse mau, é a estrada de ferro da Vale que passa ao lado da casa da Joelma e não lhe dá trégua ou sono. Pensam que a mineradora dá sossego e sono justo aos que moram ao lado da estrada ? Não ! . Seria pedir demais a quem aparentemente tenta empurrar

soluções fáceis e pouco reparadoras aos que foram atingidos e vilipendiados. “A ganância dos mineradores dita nossa forma de viver”, diz a Joelma fazendo coro a uma multidão que quase sete anos depois da tragédia não está nem perto de recuperar a vida que tinha antes. Nesse trajeto nada será como antes.

Dom Total

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