Ética cristã: a face visível do amor
O fazer-se cristão/a é um processo contínuo; não há cristãos e cristãs prontos, finalizados: há sempre o que progredir no discipulado e na vivência do Evangelho.
Dentre as exortações finais da Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses, queremos nos debruçar sobre aquelas que aparecem nos versículos 19-22, do capítulo 5: “Não extingais o Espírito; não desprezeis as palavras dos profetas; examinai tudo com discernimento: conservai o que é bom; apartai-vos de todo tipo de mal”. Estes são versículos que compõem o conjunto das exortações finais, presentes na carta, que formam um apanhado ético essencial para a vida cristã, conforme o ensinamento paulino.
Antes, porém, de refletirmos propriamente sobre estes versículos, é importante chamar a atenção para um elemento: esta é uma carta de Paulo escrita em tom bastante afetuoso, para uma comunidade de vivência cristã exemplar, conforme podemos conferir em 1Ts 1,5-10. Ora, se se trata de uma comunidade exemplar, cuja boa fama havia se espalhado por toda a região, por que era preciso que o Apóstolo Paulo continuasse a fazer exortações àqueles cristãos e cristãs? A resposta nos dá uma chave importante para pensarmos a iniciação cristã em nosso tempo: o fazer-se cristão/a é um processo contínuo; não há cristãos e cristãs prontos, finalizados: há sempre o que progredir no discipulado e na vivência do Evangelho. É por isso, pois, que Paulo escreveu: “Que o Senhor faça crescer e abundar o amor que tendes uns para com os outros e para com todos […]” (1Ts 3,12).
O amor é a chave para compreendermos a ética cristã, tal como o Evangelho de Jesus nos propõe, e como vivamente é incentivada pelos ensinamentos de Paulo. Importa, pois, que cristãos e cristãs cresçam neste amor, fazendo com que ele se torne abundante. É neste espírito que somos chamados a compreender as exortações feitas pelo Apóstolo, tais como estas que são o foco desta nossa reflexão. No começo da Carta, Paulo havia sinalizado que era sob o efeito da alegria do Espírito Santo, que a comunidade havia se tornado um modelo para os cristãos da Macedônia e da Acaia (cf. 1Ts 1,6-7).
O enfoque dado pelo Apóstolo não é na dimensão meritocrática da comunidade ter se tornado modelo, e sim nos frutos que toda a Igreja pode colher, quando há cristãos e cristãs empenhados na vivência efetiva do Evangelho. Assim é que devemos entender o papel atribuído ao Espírito Santo, para que a comunidade tenha conseguido frutificar. Se há mérito na comunidade, este reside no fato de ela ter se aberto à graça santificante do Espírito, cujos frutos devem estar presentes na atuação cristã. Com isso, podemos compreender bem a primeira exortação feita por Paulo, no texto motivador desta reflexão: “não extingais o Espírito”.
Se, pois, o fazer cristão/a, isto é, o tornar-se discípulo e discípula de Jesus Cristo, é um processo existencial contínuo, tal tarefa só é possível graças a atuação do Espírito Santo, força santificadora que faz com que nos configuremos cada vez mais plenamente como filhos e filhas de Deus, irmanados à filialidade de Jesus. Entre outras coisas, não extinguir o Espírito é o estar aberto à sua atuação e presença vivificantes na comunidade; é não se fechar à graça que torna efetiva a vivência cristã na sociedade.
Uma vez não extinguido o Espírito, a comunidade poderá continuar frutificando, também quando dá ouvidos àquilo que os profetas insistem em anunciar. A profecia, na Bíblia, não está ligada à adivinhação do futuro, e sim à interpelação, à luz da Palavra de Deus, dos caminhos e descaminhos assumidos pelas pessoas. A presença da profecia na comunidade cristã é também atuação do Espírito, que conclama os cristãos e cristãs a permanecerem fiéis ao Evangelho, atuantes na sociedade de modo transformador, e conformes ao querer salvífico de Deus.
A terceira exortação diz respeito ao discernimento: “examinai tudo com discernimento: conservai o que é bom”, também dom do Espírito. Saber discernir é uma exigência fundamental para a vivência cristã na história. Sem o discernimento, não há a possibilidade de conformação de nossa vida à vida filial de Jesus, tampouco a assimilação da profecia, que atualiza a Palavra de Deus na história dos crentes, conclamando-os à fidelidade e à responsabilidade da fé. As ofertas por aí disponíveis são muitas, mas àqueles e àquelas que se pretendem seguidores e seguidoras de Jesus, pouquíssimas atuam para a edificação.
Abrindo possibilidades da atuação da graça do Espírito, na acolhida da profecia e no discernimento espiritual, a comunidade terá condições de se manter apartada do mal. Aqui, a exigência não é moralista, mas profundamente ética: cristãos e cristãs não devem, por força da fé e da participação espiritual na vida de Cristo, serem mediadores de desgraça e pecado, mas mediadores de graça, pois essa é a efetividade da fé. Ecoando o que nos ajudou a refletir Santo Agostinho, é preciso a compreensão de que aqueles que amam podem fazer o que quiserem, uma vez que tudo aquilo que provém do amor, é nascido da graça.
Nestes nossos tempos, tão graves, nos quais o cristianismo é colocado em xeque, a urgência do resgate da ética, como face mais visível do amor, não pode ser ignorada. O cristianismo precisa, sim, estar sob o olhar da crítica e são os cristãos e cristãs precisam ser coerentes com o basilar de sua própria fé. Essa crítica, em última instância, não é à fé em si, mas no contra-testemunho, um dos males mais nocivos que permeiam as fileiras cristãs. É preciso, pois, não fazer ouvidos de mercador àquilo que Paulo, nesta Primeira Carta aos Tessalonicenses nos exorta: vivamos como verdadeiros cristãos e cristãs!
Dom Totale