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Padre Ricardo Rezende

Padre Ricardo Rezende

Uma vida pelas vítimas cujo sangue clama aos céus

O padre Ricardo Rezende Figueira completou recentemente 70 anos de idade. A sua história de vida se entrelaça com grandes dramas sociais do Brasil, abraçando lutas da Igreja e da sociedade por justiça e por um mundo melhor. Ele é porta-voz de vítimas dos conflitos fundiários e do trabalho escravo, causados por grandes empresas, grileiros e pistoleiros. Padre Ricardo viveu 20 anos na Diocese de Conceição do Araguaia, no Sul do Pará, trabalhando na Comissão Pastoral da Terra (CPT). Neste tempo, por 18 anos esteve ameaçado de morte. Depois se mudou para o Rio de Janeiro, organizou uma ONG em defesa dos direitos humanos, envolvendo artistas, e se doutorou em antropologia com o tema do trabalho escravo contemporâneo. Hoje ele é professor da UFRG, coordena um grupo de pesquisa sobre este assunto e colabora com o poder público na denúncia e na erradicação do trabalho em condições análogas à escravidão. O seu arquivo tem mais de 700 depoimentos de vítimas desta forma de exploração. Padre Ricardo tem prêmios nacionais e internacionais por seu trabalho.

Eu participei da missa do seu jubileu de prata sacerdotal. Nesta ocasião, ele recordou a sua ordenação sacerdotal que se realizou em 1980, no Pará. Padre Ricardo mencionou as pessoas que então estavam presentes e tempos depois foram assassinadas: padre Josimo Tavares, irmã Dorothy Stang e alguns sindicalistas rurais. No tempo em que padre Ricardo esteve naquela região do Pará, ocorreram cerca de 200 assassinatos de trabalhadores rurais, 95 dos quais eram de pessoas fugidas do trabalho escravo. Boa parte desta história está no documentário “Este homem vai morrer: um faroeste caboclo”, de Emílio Gallo, lançado em 2008

Para chamar a atenção da opinião pública sobre esta realidade, padre Ricardo foi um dos idealizadores da ida de artistas a locais de conflito. Eles visitam pessoas juradas de morte e comparecem a julgamentos de assassinos ou mandantes. Camila Pitanga e Letícia Sabatella foram a Rondon do Pará, onde estiveram com dona Joelma, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais ameaçada de morte, cujo marido foi assassinado nesse cargo, andando com ela pela cidade. Esta visita é uma proteção e um aviso: “atirar nesta pessoa é atirar em mim. Eu estou sabendo e acompanhando”. Bete Mendes esteve em Belém, acompanhando um julgamento. Wagner Moura também colabora. Ele é narrador do documentário “Mataram irmã Dorothy”

O trabalho em condições análogas à escravidão é bem explicado pelo padre Ricardo. Infelizmente é algo fortemente arraigado na cultura em muitas regiões. Pessoas pobres são aliciadas e levadas para regiões distantes, em fazendas onde elas não dispõem de comunicação. Não são remuneradas em dinheiro, mas em mercadorias e com o preço estipulado pelo patrão, o que é totalmente ilegal. São persuadidas de que estão em dívida por causa da viagem feita e pelo que consomem, numa situação em que a dívida nunca diminui. Não conhecem direitos trabalhistas e nem têm acesso a quem as defenda, pois não podem sair do local enquanto supostamente estiverem devendo. Esta forma de exploração não ocorre só no campo, mas também nas cidades em diferentes ramos, envolvendo esquemas de tráfico humano. Isto já foi tema de novela e de uma Campanha da Fraternidade.

Padre Ricardo Rezende é uma vida dedicada a estas vítimas cujo sangue clama aos céus, cuja exploração perversamente se oculta. Elas estão nas periferias existenciais às quais o papa Francisco convoca a Igreja para ir ao encontro. Feliz aniversário, padre Ricardo! Sua vida é uma luz radiante para todos nós.

Dom Total

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