O Papa Francisco faz um apelo a Malta: lembre-se de sua herança e acolha os migrantes
“Como podemos nos salvar desse naufrágio que corre o risco de afundar o navio de nossa civilização? Conduzindo-nos com bondade e humanidade. Contemplando as pessoas não apenas como estatísticas.”
VALLETTA, MALTA – O Papa Francisco encerrou sua viagem de dois dias à ilha mediterrânea de Malta em 3 de abril, lembrando ao país, com uma tradição profundamente cristã, que uma vez acolheu o apóstolo Paulo para sua recuperação, do mesmo espírito de hospitalidade, acolhendo os recém-chegados da África e do Médio Oriente.
“Essas mesmas pessoas que vemos em barcos lotados ou à deriva no mar, em nossas televisões ou nos jornais, podem ser qualquer um de nós, nossos filhos ou filhas”, disse o Papa ao se reunir com cerca de 200 imigrantes da Líbia, Nigéria, Senegal e Ucrânia, entre outros países, aqui em Malta.
“Desde o dia em que visitei Lampedusa, não me esqueci de vocês”, disse o Papa, lembrando sua primeira viagem papal fora de Roma em 2013. Lá, Francisco criticou a “globalização da indiferença” em relação à situação dos migrantes e refugiados e cimentou migração como uma das questões de assinatura de seu papado.
“Vocês estão sempre em meu coração e em minhas orações”, disse Francisco no domingo.
Os comentários do Papa foram compartilhados em um centro de acolhimento maltês de refugiados em uma viagem marcada por encontros cara a cara com aqueles que ainda se recuperavam de ter que fugir de suas terras natais.
Antes de deixar o Vaticano no sábado, 2 de abril, o papa se encontrou com refugiados que haviam chegado recentemente a Roma depois de fugir da guerra na Ucrânia. Em Malta, no domingo, 3 de abril, o Papa ouviu depoimentos em primeira mão de um líbio e de um nigeriano que foram resgatados no mar.
Enquanto o Papa se dirigia ao centro de boas-vindas, multidões de espectadores se reuniram para expressar seu apoio aos refugiados, incluindo gritos de “feche o céu sobre a Ucrânia” e “proteja nossas crianças”.
“Há pessoas cujo pedido de asilo foi rejeitado, mas ainda não podem voltar ao seu país de origem, pois é muito perigoso”, disse Siriman Colibaly, que atualmente vive com sua esposa em Malta depois de fugir da Líbia. “Estas não são apenas histórias e números, mas são pessoas em carne e osso como nós, rostos – alguns com sonhos desfeitos, outros que conseguiram alcançá-los.”
Francisco respondeu dizendo que, da mesma forma que muitos migrantes como Colibaly sonham com vidas mais seguras e estáveis, que, como papa, ele tinha o sonho de que os migrantes experimentassem maior acolhimento e bondade em todo o mundo – uma bondade que Francisco espera que compartilhem com os outros.
“Acredito que é muito importante que no mundo de hoje os migrantes se tornem testemunhas desses valores humanos essenciais para uma vida digna e fraterna”, disse Francisco. “São valores que você guarda em seu coração, valores que fazem parte de sua raiz.”
Durante todo o dia de domingo, o Papa refletiu sobre a vida do apóstolo Paulo, que ficou refugiado em Malta por três meses depois de naufragar na ilha. Aqui, de acordo com o Evangelho de Lucas, ele foi recebido com “extraordinária hospitalidade” pelos habitantes locais que o encontraram.
“O naufrágio é algo que milhares de homens, mulheres e crianças viveram no Mediterrâneo nos últimos anos. Infelizmente, para muitos deles, terminou em tragédia”, disse Francisco durante o encontro no Laboratório de Paz Papa João XXIII, que continua fornecendo hospitalidade e abrigo para os migrantes recém-chegados ao país, apesar da insistência do governo maltês à União Europeia de que o país não pode aceitar mais refugiados.
“No entanto, nesses eventos, vemos outro tipo de naufrágio: o naufrágio da civilização, que ameaça não apenas os migrantes, mas todos nós”, continuou Francisco. “Como podemos nos salvar desse naufrágio que corre o risco de afundar o navio de nossa civilização? Conduzindo-nos com bondade e humanidade. Contemplando as pessoas não apenas como estatísticas.”
Antes de se encontrar com os migrantes, Francisco celebrou uma missa ao ar livre para cerca de 12.000 peregrinos e visitou a gruta onde São Paulo permaneceu durante seu tempo em Malta por volta de 60 d.C.
“Ajudai-nos a reconhecer os necessitados, lutando entre as ondas do mar”, rezou o Papa enquanto estava na gruta.
Nos últimos anos, vários milhares de recém-chegados foram resgatados no mar e desembarcados em Malta, mas, segundo Sara Zingariello, do Jesuit Refugee Services Malta, não houve novas chegadas em 2022 devido a um controverso acordo entre Malta e Líbia.
Em troca de mais financiamento da Europa, a Líbia concordou em aumentar seus esforços para conter o fluxo de pessoas que tentam cruzar a África e a Europa. Consequentemente, um número crescente de refugiados é detido no mar e devolvido aos seus países de origem, muitas vezes com recursos legais limitados e com grande ameaça à sua saúde e segurança pessoal.
Zingariello disse ao NCR que acredita que a curta estadia do Papa em Malta pode servir como um lembrete do legado de hospitalidade do país.
“Acho que esta é uma mensagem de esperança e, também, de insistência em mantermos os nossos braços e os nossos corações abertos”, disse Zingariello “Deve ser uma oportunidade para nós, como sociedade maltesa, refletirmos sobre esta mensagem e pensarmos sobre nossa própria compreensão da migração”.
Embora ela reconheça que a questão da migração sempre traz consigo “medos e desafios naturais”, acredita que há uma “maneira de avançar que respeite os direitos de todos”.
Quando o papa se despediu dos migrantes antes de retornar a Roma, essa também foi sua mensagem.
“Espero que Malta sempre cuide daqueles que desembarcam em suas costas, oferecendo-lhes um verdadeiro ‘porto seguro'”, disse Francisco.
Traduzido por Ramón Lara.
Escrito por Christopher White, correspondente do Vaticano para o NCR.