(Re)descobrir caminhos e possibilidades de SER: a importância da experiência religiosa no combate à ansiedade
A ansiedade caracteriza-se como resposta natural do corpo às situações vivenciadas pelo indivíduo.
Danielle Negromonte*
“O que será o amanhã?
Como vai ser o meu destino? […]
[…] O que irá me acontecer?
[…] Como será? […]”
O samba-enredo que ritmou a Escola União da Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, foi imortalizado na voz da cantora Simone Bittencour. A composição “O amanhã”, de João Sérgio, lançada no ano de 1978, remete-nos, em sua dimensão atemporal, ao contexto atual. A pandemia nos (des)instalou. Ela pôs por terra nossos planos e projetos e convocou-nos a refletir sobre as mais diversas dimensões da vida em seus limites, possibilidades e propósitos. Hoje, como outrora, também nós nos perguntamos “o que será o amanhã?”
A crise sanitária trouxe uma série de implicações que desembocaram nos mais diversos setores. O que desencadeou e reforçou crises de ordem política, social, econômica, ambiental, humanitária, de fé e religiosa, afetando, sobretudo, nossa saúde mental. Os dados da OMS revelam um aumento de 7,2% do transtorno de ansiedade entre brasileiros, apenas em 2020, e não para de crescer no Brasil.
Diante desse contexto, deparamo-nos com a angústia que traz consigo sentimentos de desamparo e solidão, que além de despertarem trevas e luzes, fazem emergir o que há de melhor e de mais sombrio no coração da humanidade. Situações limite, como o momento que vivemos, nos põem diante de questões profundamente existenciais, de inquietações e incertezas quanto ao futuro, “o que irá me acontecer?” e traz à baila o fenômeno latente da ansiedade.
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A pandemia situa-nos diante do novo. Fomos forçados a nos reinventar. Constatamos nossa finitude e fragilidade humanas, e a pressão para a adaptação, de forma quase violenta, serviu de gatilho para que algumas pessoas se vissem potencialmente em episódios ou crises de ansiedade.
A ansiedade caracteriza-se como resposta natural do corpo às situações vivenciadas pelo indivíduo. É o sentimento causado pelo aumento da tensão. Se, por um lado, nos prepara para o futuro, e coloca-nos em movimento, por outro, o transtorno da ansiedade vem sendo considerado o “mal do século”, resultado de um modelo disfuncional ditado pelo ritmo desenfreado de produção e exigências na contemporaneidade.
Entre as queixas mais comuns relacionadas ao transtorno de ansiedade estão os sintomas físicos, como, palpitações, falta de ar, tremores, respiração ofegante. E mentais, como, excesso de preocupação, desânimo, irritabilidade, insônia, entre outros, que acabam por comprometer a qualidade de vida das pessoas.
Privados do convívio social, sem saber com quem e como lutar, assombrados pelos fantasmas de nossas angústias e tendo (des)aprendido o caminho interior, ficamos mais ansiosos. O sentimento de vazio e o desconforto das privações possibilitaram a constatação do mal-estar da solidão, alimentou a sensação de estarmos perdidos no caminho. E fez surgir a necessidade humana de uma linguagem adequada para exprimir nossa vulnerabilidade. “Como vai ser o meu destino? O que irá me acontecer?”.
Ao longo da história da humanidade, a espiritualidade e as diversas expressões religiosas revelam-se como um caminho alternativo e estratégico para fortalecer, em rede, o enfrentamento dos momentos de crise. A religião pode ser compreendida como aquela que tem a função de oferecer possibilidades e reestabelecer “conexão”, seja ela na perspectiva pessoal, ou com outros, através de cultos, ritos ou manifestações próprias de cada crença.
O diálogo entre religião, ciência e fé é marcado por conflitos e contradições. No entanto, a religião como instituição exerce um papel fundamental na tessitura do que se considera corpo social. Contudo, torna-se um desafio gigantesco, sendo necessário, portanto, colocar o tríplice diálogo a serviço da humanidade, que requer de nós aprender o manejo da tecelagem: confeccionar, entre o controle institucional e o suporte humano, um belo tecido com o fio delicado dos saberes.
O cultivo da espiritualidade está para além da religiosidade. É a maneira singular que cada pessoa encontra para dar sentido à própria vida e existência. Ela reconecta pessoas a algo para além de si mesmas, para que possam “ser-juntas”. E, nessa experiência de congregar, elas aprendem a lidar com suas próprias questões e transcendem, isto é, peregrinam de dentro para fora, de si para o outro, e de fora para dentro, do outro para si. E, desse modo, buscam o crescimento como pessoas humanas na relação com o Divino.
Pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) apontam que professar uma fé, cultivar a espiritualidade ou vincular-se a uma expressão religiosa, impacta positivamente a vida das pessoas. Reduz o risco de desenvolver doenças, como depressão ou transtorno de ansiedade e fortalece o sistema imunológico.
A prática religiosa traz benefícios psicológicos, a saber, uma maior satisfação pessoal e desenvolvimento de afetos positivos. Depositar a confiança em algo ou alguém que nos ultrapassa e alimentar uma crença favorece a saúde física e mental, amplia a autopercepção, consola nas aflições e orienta para a vida, reestabelecendo sentido.
A relação direta entre a religiosidade-espiritualidade, saúde e bem-estar, implica estarmos vigilantes. As pessoas podem compartilhar de uma experiência saudável, nem doutrinária nem fundamentalista. O fundamentalismo e a ênfase na doutrina sem espírito, em nome da fé, deixam marcas profundas e traumas na vida das pessoas.
Na busca incessante por responder a tais questões e atribuir um sentido para tudo isso, poderemos chegar a um desenlace favorável do processo de integração pessoal e de autotranscedência através da experiência religiosa. E, assim, fazer dela um recurso favorável à saúde para lidar com a ansiedade nossa de cada dia.
Por fim, sem a presunção de termos a última palavra, interpelamos à reflexão acerca das possibilidades e limites do diálogo proposto. O coração da humanidade tem sede de profundidade e busca verdades que possam orientá-lo e levá-lo a reencontrar a paz interior no caminho de volta para si mesmo e na relação com os outros.
A ansiedade nos insere na tensão existencial do já e ainda não. Para além da religiosidade, a consciência e a busca pelo cultivo da espiritualidade desenvolvem a criatividade e a serenidade. Gesta fecundidade em tempos de crise e de aridez. Promove equilíbrio e possibilita saúde mental. É cuidando da nossa vida de maneira integral e considerando as múltiplas facetas da experiência humana – como seres biopsicossociais e espirituais – que redescobriremos caminhos e possibilidades para “SER”.
*Graduada em Psicologia pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE). Religiosa da Congregação das Irmãs Franciscanas de Maristella. Secretária da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB- Recife). Secretária do Pensionato Maristella.