A Igreja Católica no Afeganistão
Saiba como vive uma das menores comunidades católicas do mundo
Mirticeli Medeiros*
Tente imaginar um país onde os cristãos não são só minoria, mas não possuem sequer uma paróquia. Estamos falando do Afeganistão, país em que a comunidade católica conta com cerca de 100 fiéis, incluindo os sacerdotes e freiras que lá atuam.
O pequeno grupo consegue se reunir graças à capela da embaixada italiana no país, a única autorizada pelo governo local. A Itália foi a primeira nação do mundo a reconhecer a independência do Afeganistão, em 1919. Por conta disso, o país europeu recebeu essa concessão especial.
Na falta de uma diocese, como nesse caso, a Igreja Católica estrutura a chamada missão sui iuris. Como o catolicismo ainda não é radicado no país, essa é a primeira etapa antes da criação de uma diocese. São os missionários a assumir a tarefa de implantar a Igreja no lugar.
Desde 1931, a pedido do papa Pio X, os barnabitas assumem essa responsabilidade. E não estão sozinhos: contam com o apoio, atualmente, de membros de várias congregações religiosas. A partir dessa união de esforços, freiras e padres de vários institutos administram a Escola da Paz, uma iniciativa que atende cerca de 2,5 mil crianças, e a Pro-bambini di Kabul, que assiste crianças com necessidades especiais.
O responsável pela pequena comunidade de Cabul é o padre barnabita italiano Giovanni Scalese, de 66 anos.
Segundo as últimas informações, divulgadas por membros da sua congregação, o religioso permanece na embaixada da Itália no país, que está vazia após o retorno do corpo diplomático para Roma. Scalese disse que só deixará o local quando todos os religiosos e as crianças atendidas pelas obras assistenciais da missão deixarem o Afeganistão em segurança.
Após o Talebã ter tomado a cidade de Cabul, no último domingo (15), religiosos católicos também entraram na lista das tristes estatísticas. Jesuítas e Missionárias da Caridade – a congregação de Madre Teresa de Calcutá -, que coordenam algumas iniciativas sociais da missão, se uniram à multidão de afegãos que lotam o aeroporto da capital. Todos estão na expectativa de embarcar para a Índia, onde muitas dessas pessoas têm encontrado refúgio. Por conta disso, o país está emitindo vistos de emergência para atender a demanda.
Mas a rotina dos católicos afegãos vai além dessa dificuldade de manter uma comunidade pequena. Por se tratar de um país confessional, onde o Islã é religião de estado, a prática de proselitismo por parte de outras confissões de fé não é permitida. A primeira-dama do país até a invasão do Talebã, Rula Ghani, que nasceu no Líbano e é cristã, usa a hijab em respeito aos cidadãos do país e não manifesta sua crença em público.
Com os últimos acontecimentos, há famílias inteiras de católicos que, desde a invasão, estão trancadas dentro de casa.
Estima-se que, além dos números que são divulgados, há cerca de oito mil cristãos que praticam a própria fé às escondidas.
O cristianismo chegou ao Afeganistão no século 4, mas não se manteve por causa das invasões muçulmanas da Idade Média (século 7). As comunidades de Balkh, Harat, Farat e Kandahar deixaram de existir. É por isso que católicos e evangélicos que vivem no país precisam praticamente começar do zero. Agora, ninguém sabe dizer qual será o futuro dessa missão e o que será feito pelos cristãos que não têm para onde ir.
*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras