O símbolo da besta
A besta é um símbolo para um governo que oprime seu povo.
Fabrício Veliq*
O termo besta é bastante conhecido aqui em Minas. A expressão: “deixa de ser besta, sô”, por exemplo, é comumente ouvida quando se quer dizer que determinada pessoa tem sido ingênua ou está fazendo algo que se considera absurdo.
Numa perspectiva cristã, o termo também é amplamente difundido, principalmente devido ao livro do Apocalipse, que fala em alguns de seus capítulos sobre a besta que surge do mar ou da terra. Neste texto, o propósito é falar sobre essa segunda perspectiva, deixando a primeira, tipicamente mineira, de lado.
Para iniciar, é importante se lembrar de que apocalipse é um gênero literário, dentre tantos outros que existem na bíblia. Dessa forma, há diversos textos bíblicos do gênero apocalíptico, como, por exemplo, Marcos 13, Mateus 24, ou ainda Isaías 24 a 27, dentre tantos que poderiam ser citados. Dois livros, porém, são inteiramente desse gênero, um no Antigo Testamento (Daniel) e outro no Novo Testamento (Apocalipse de João).
Algo importante de se ter em mente também é que os apocalipses são textos escritos em momentos de grande tribulação de um povo, visando trazer esperança para aquela nação. Por serem escritos em momentos assim, tais livros utilizam símbolos que já se encontram na cultura do povo para o qual se dirige, de maneira que se tornam de fácil compreensão para seu destinatário, e ao mesmo tempo indecifráveis para o inimigo que não conhece tais símbolos. Assim, caso o texto que visava trazer esperança caísse em mãos dos que oprimiam o povo, este não seria compreendido por esses inimigos. Nesse sentido, é importante também perceber dois pontos: 1 – Que ao se ler um apocalipse não se deve tentar imaginar o que o autor está dizendo. Fazer isso é perder de vista o símbolo e criar, em muitos casos, imagens monstruosas na cabeça, o que faz também perder a mensagem que o símbolo quer passar. 2 – Que os apocalipses bíblicos não são textos que advinham o futuro, bastando decodificar seus símbolos para saber quando o mundo acaba, o que deve ser percebido para poder datar a vinda de Jesus etc. Antes, são textos escritos para o seu próprio tempo, visando trazer esperança em meio a momentos conturbados.
Com tudo isso em mente, voltemos agora nosso olhar para o símbolo da besta presente tanto em Daniel como no Apocalipse joanino.
A besta, termo já em desuso para nossa sociedade (com exceção de algumas expressões populares), nos tempos antigos era simplesmente um outro termo para o animal feroz. Tanto que em Daniel aparecem o urso, o leopardo, o leão, animais que têm como característica o fato de devorarem suas presas por meio da violência e da força. Dessa forma, o símbolo da besta era usado sempre fazendo referência a governos que oprimiam o povo por meio da força e da violência. No caso de Daniel, trata-se dos impérios babilônicos, medos, persas e gregos. No caso do apocalipse de João, o animal selvagem faz referência ao Império Romano, que vindo do Mediterrâneo, “sobe do mar” como aponta um dos textos.
Mesmo que no espaço que tenhamos não seja possível destrinchar as diversas nuances do texto, acreditamos já ter ficado claro o que o símbolo besta quer dizer nos apocalipses. Dessa forma, a besta não deve ser entendida como um ser espiritual, que vive em alguma região também espiritual e que está guerreando contra Deus. Muito pelo contrário, o símbolo deve ser compreendido no chão da existência humana, de maneira que é possível dizer que, ao longo da história, diversas bestas se levantaram na terra a fim de governar os povos por meio da força e da violência, oprimindo-o grandemente.
No caso dos apocalipses bíblicos, na continuidade da leitura dos textos, a mensagem de esperança passada por eles é de que Deus não abandonou o seu povo, mas concede a ele força para resistir ao governo opressor, certos de que Deus já venceu o inimigo que os oprimia. No caso de Daniel, o governo opressor era representado por Antíoco IV e no caso de João por Domiciano.
No caso brasileiro, hoje, também temos um governo que oprime o seu povo por meio da negligência na compra de vacinas, por meio da fome, do desemprego e da corrupção, violências essas que, assim como anteriormente, causam a morte do povo.
Contudo, assim como os apocalipses ressaltam, o opressor não dura para sempre e Deus, por meio de Cristo, caminha conosco nos dando força e inteligência para resistir, na esperança de que dias melhores virão sobre nosso país.
*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG). Autor do livro: Teologia no século 21: novos contextos e fronteiras. Editora Saber Criativo. E-mail: fveliq@gmail.com. Site: www.fabricioveliq.com.br.
Fonte: Dom Total