Religião

A última papagaiada de Luciano Huck

A última papagaiada de Luciano Huck

‘2021: O ano que não começou’ serve apenas à vaidade do marido de Angélica

Luciano diz mais de si pelas lacunas do que pelo que coloca em pauta

Luciano diz mais de si pelas lacunas do que pelo que coloca em pauta (Divulgação/Globoplay)

Alexis Parrot*

Cruzamento de talk show com aula online, 2021: O ano que não começou (nova atração do Globoplay) apresenta-se como documentário, mas se trata, na verdade, de propaganda eleitoral antecipada e base para um possível plano de governo, caso Luciano Huck venha mesmo a lançar-se como presidenciável no pleito do ano que vem.

Vestindo o uniforme da tal “terceira via” – sonho intangível do liberalismo para as urnas de 2022 – o titular do Caldeirão finge não ser mais que um facilitador, apenas para reiterar a própria importância a cada instante do vídeo. Quando a entrevistada Esther Duflo, prêmio Nobel de Economia, destaca o papel que “pessoas como eu e você” podem exercer no engajamento político das novas gerações, o marido de Angélica não consegue disfarçar o sorriso, entregando a falsa modéstia.

Mesmo com a utilização de vasto banco de imagens, o “documentário” não passa de uma reportagem esticada sem o mínimo rigor jornalístico. A conexão entre nomes internacionais do debate público com gente comum correndo atrás do próprio prejuízo fica apenas na promessa. Estes últimos são usados, quando muito, como mera ilustração para os temas abordados, além de servirem para dar o toque melodramático e “humano” ao programa, tão ao gosto do apresentador e da própria Rede Globo.

Se não há conexão nem entre um tema e outro (cada um deles é apresentado como entidade estanque), o que dirá entre os entrevistados. Mas o que esperar de um autoproclamado líder nacional que faz questão de marcar presença em Davos mas nunca deu as caras (e nem dará) no Fórum Social Mundial ou em qualquer manifestação nas ruas?

Embalado por uma visão simplista (e elitista) do mundo, Huck incorpora uma série de equívocos históricos do discurso do senso comum, alguns deles já superados. Logo na introdução, ao afirmar que, durante a pandemia, “a favela nunca esteve tão conectada com o asfalto”, mostra uma interpretação ultrapassada de cidade partida, que define a cidadania de seus habitantes por rótulos ou pelo CEP.

Diz acreditar em um programa de renda básica universal para a população e, sobre o assunto, conversa com laureados pelo Nobel e Pulitzer e autores estrangeiros de best-sellers. Porém, omite que o Brasil caminhou durante anos neste sentido durante os governos Lula e Dilma e seus programas de transferência de renda, mais notadamente, o Bolsa Família. Enquanto conversa com especialistas mundiais, esquece de citar o ex-senador e agora vereador Eduardo Suplicy, defensor há mais de vinte anos da ideia de renda básica no país.

Ainda que a ignorância acerca de conceitos sociológicos possa ser desculpada – afinal, o rapaz quer ser apenas presidente da república – a má fé é imperdoável. Ao apresentar tais projetos como se fossem a invenção da pólvora, Huck é desonesto com o telespectador/eleitor. Assistencialista como todo rico bonzinho, resta claro que um governo seu seria medíocre e ineficiente, espelho fiel de sua atuação em programas de televisão ou nas cabeças engraçadinhas do dito “documentário”.

Entendendo o tal “documentário” como plataforma de campanha, é possível vislumbrar alguns pontos chave que guiariam o candidato Huck, ainda sem partido, mas certamente à direita no espectro ideológico. Desigualdade social, fome, educação, violência, racismo, meio ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento tecnológico são presença indiscutível em sua agenda política que, se aparenta ser bem-intencionada, diz mais de si pelas lacunas do que pelo que coloca em pauta.

Quer acabar com a fome, mas não conta que o Brasil já conseguiu erradicá-la durante os governos petistas.

Preocupa-se com a violência policial apenas quando as vítimas são a juventude negra e o cidadão comum, ignorando a ligação das corporações de segurança com o tráfico e as milícias. Denuncia o racismo, mas se esquece das outras minorias: a comunidade LGBTQ+ e os povos indígenas, por exemplo, não merecem nem uma citação no programa.

Fala muito em educação e meio ambiente, mas habitação e saneamento básico são deixados de lado. Adora um desenvolvimento tecnológico, mas se esquiva da responsabilidade como possível governante ao delegar a missão para a iniciativa privada, desprezando toda a rede pública de ensino superior. Para o campo, sua única preocupação é o agronegócio, recusando qualquer menção à desigualdade da estrutura fundiária do país.

Cultura, então, nem pensar – mas isso já era esperado, a julgar pelo tipo de programação em que costuma estar à frente na TV.

Talvez o mais assustador seja a completa ausência a qualquer alusão ao tema saúde, ainda mais por se tratar de um programa que assume a pandemia como ponto de partida. Mesmo concordando com a falência do neoliberalismo, sua movimentação no xadrez da política é como a da torre: só admite a linha reta do capitalismo como opção viável.

Com sorte (e ao que tudo indica), ele vai acabar mesmo é renovando o contrato com a Globo para assumir o lugar do Faustão aos domingos e herdar a milionária participação comercial do horário. Isso nos livraria (e a ele, principalmente) do constrangimento de vê-lo em campanha no ano que vem.

A julgar pelo discurso delineado no programa (e ao contrário do que estamos acostumados a ver na política brasileira) Huck se assemelha ao governador João Dória. Ambos tentam emplacar um projeto não de poder, mas de pura vaidade pessoal.

A ele, desejo sinceramente que siga sendo este milionário filantrópico (Dória nem isso era), ajudando no varejo aqui e ali, ao invés do evidente desastre que seria no Palácio do Planalto – tão despreparado e inadequado que é para assumir qualquer cargo público.

Ao contrário do que imagina e quer Luciano Huck, os problemas do Brasil e do mundo não serão resolvidos no palco de uma palestra do Ted Talks.

(2021: O ANO QUE NÃO COMEÇOU – disponível no Globoplay)

*Alexis Parrot é crítico de TV, roteirista e jornalista.

Fonte: Dom Total

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