Viver Evangelizando

Responsabilidade religiosa e pastoral: o contraponto ao desserviço ao Evangelho

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Responsabilidade religiosa e pastoral: o contraponto ao desserviço ao Evangelho.

Infelizmente temos um clero corporativista, que evita se indispor com seus pares.

Ou o catolicismo lidar com mais seriedade e transparência evangélicas com seus casos absurdos ou seremos uma Igreja cada vez mais desacreditada (Unsplash/Stephen Radford)

Pessoalmente, uma das coisas que mais causa indignação é o uso do poder religioso para enganar pessoas. Religião é, também, uma questão de poder. É por isso que muitas pessoas adentram por este universo. Exercer uma posição de liderança religiosa exige muita responsabilidade: o aspecto religioso é psiquicamente estruturante para muitas pessoas. Um manejo irresponsável disso, pode causar muitos danos, alguns irreversíveis, aos sujeitos religiosos. É por isso também, entre outras coisas, que o processo de formação para um candidato ao Sacramento da Ordem – isto é, para se tornar padre – exige acompanhamento sério, multidisciplinar, com amparo psicológico. É um processo longo de formação, que tem como parte o curso de duas graduações.

Ainda assim, não há certezas de que o processo foi bem feito, frutífero. Apesar de toda a complexidade do processo, há uma espécie de fracasso na formação de presbíteros, salvo algumas exceções.

Em nossa atualidade, tudo cai nas redes de forma muito rápida, sejam as boas coisas, como as ruins – e, definitivamente, este não deve ser um critério para que as pessoas tenha medo de se expressar, mas para que pensem o papel social que exercem, que precisa ser responsável. Ao mesmo tempo em que acompanhamos notícias envolvendo um pe. Júlio Lancellotti (ameaçado de morte, vale dizer, por fazer o bem!), que inspira bom testemunho de serviço ao Evangelho, vemos viralizar vídeos de homilias e falas de clérigos – presbíteros e bispos – que fazem com que os cristãos e cristãs minimamente conscientes de sua fé em Jesus Cristo, tenham vergonha e indignação. Isso sem falar em lideranças religiosas de outras confissões cristãs, que sequer têm o preparo mínimo para exercerem o papel de pregadores e pregadoras.

Nesse descaminho do Evangelho, temos desde bispo que se recusa a aparecer próximo de um jovem que tem uma postura que destoa do padrão heteronormativo, quanto padres que usam da Mesa da Palavra – lugar digno onde, sacramentalmente, o próprio Jesus se manifesta –, para propagar inverdades sobre a pandemia que vivemos, e a vacinação, única solução viável até o presente momento, para superarmos essa tragédia sanitária.

Esses dois casos são escandalosos.

Ainda assim, não vimos sequer notas de repúdio, por parte de representantes autorizados da Instituição. Infelizmente, temos um clero corporativista, que evita se indispor com seus pares, mesmo que seja para uma correção fraterna, aos moldes do que nos propõe o Evangelho de Mateus. O silêncio é conivente! São tempos difíceis, de ódio e de fortalecimento de propagação de mentiras; e tudo o que menos precisamos, são de clérigos que atuem para a ascensão deste anti-Evangelho.

De que adiantam documentos pastorais dizendo que a Igreja acolhe as diferenças, não julga e não exclui, que todas as pessoas são bem-vindas no redil do Senhor, quando alguém que destoa de certo comportamento padrão é evitada, com muito constrangimento, para que um bispo não seja mal interpretado pelo olhar de alguns?

Qual a legitimidade de uma Igreja que se diz atuar em favor da vida, quando um presbítero se propõe a pregar inverdades sobre uma vacina, usando o engodo de fetos abortados, para causar pavor nos fiéis? Alguns podem pensar, e até mesmo dizer, que estes não representam a Igreja. De fato, eles não são o todo da Igreja, que é plural, benéfica e maleficamente. Mas, mesmo não sendo o todo da Igreja, eles são a Igreja: afinal, não é esse um dos significados teológico-sacramentais do Batismo?

Ou o catolicismo começa a lidar com mais seriedade e transparência evangélicas com estes casos absurdos, que podem parecer isolados, mas que pipocam no dia a dia, por todos os cantos, ou seremos uma Igreja cada vez mais desacreditada, e isso não sem razão!

O descrédito da Igreja é, em última análise, o descrédito do Evangelho e do Reino, aos quais a Igreja deve ser fiel servidora. Descrédito entre os de fora, má educação da fé para os de dentro. Enquanto uma infeliz claque aplaude a lacração ultraconservadora de alguns clérigos, o Evangelho perece e a fé se esvazia. De que vale uma Igreja assim?

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo e professor. Coordena a editoria de religião deste portal. É co-autor do livro Teologia no século 21: novos contextos e fronteiras (Saber Criativo, 2020). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

Fonte: Dom Total

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