Senado barra recursos do Fundeb para escolas religiosas e particulares; texto volta à Câmara.
Projeto de regulamentação poderia transferir até R$ 12,8 bilhões por ano da rede pública para instituições privadas, medida criticada por especialistas.
O Senado reverteu mudanças feitas de última hora na Câmara e retirou a possibilidade de transferências de recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para escolas religiosas, filantrópicas e comunitárias. O projeto de regulamentação poderia transferir até R$ 12,8 bilhões por ano da rede pública para essas instituições, conforme cálculo do Todos pela Educação. A proposta voltará para a Câmara. Na prática, os deputados ainda poderão resgatar a medida polêmica. Com a aprovação, o texto volta à Câmara dos Deputados, pois foi alterado no Senado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já adiantou que votará a proposta ainda nesta semana, pois a regulamentação precisa ser aprovada este ano para que os recursos do Fundeb, que chegaram a R$ 160 bilhões em 2020, possam ser direcionados a estados e municípios já a partir de janeiro de 2021, devidamente reajustados.
A entrega de recursos públicos para escolas religiosas nos ensinos fundamental e médio, conforme aprovado pela Câmara, foi criticada por especialistas da área e considerada inconstitucional. A Consultoria Legislativa do Senado afirmou que o dispositivo poderia trazer mais prejuízos que benefícios para a educação brasileira, a saber. Um dos argumentos é que recursos públicos podem ser destinados para entidades filantrópicas, mas desde que não haja vagas disponíveis na rede pública.
O relator, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), optou por resgatar o texto original apresentado pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-DF), relator na Câmara. Isso porque no plenário da Câmara o texto passou por alterações, abrindo a possibilidade de que escolas privadas, como as vinculadas ao Sistema S, as confessionais, comunitárias e filantrópicas, também recebessem recursos do Fundeb. Mas esta possibilidade sofreu forte rejeição no Senado e, após negociações, optou-se por aprovar a versão final de Izalci Lucas, reservando o Fundeb para a educação pública.
“Aqui preservam-se os recursos para a escola pública. A Câmara distorceu um pouco, colocando recursos do Fundeb para pagamento de folha até de terceirizados de escolas públicas, assim como nas escolas confessionais e comunitárias. Estamos tirando isso, e também o Sistema S. O Sistema S pode fazer convênio com qualquer estado ou município, desde que não seja com recursos do Fundeb.
Então vai continuar fazendo o que vem fazendo. Da mesma forma, as escolas comunitárias e confessionais”, explicou Izalci.
Segundo dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), apresentados pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o texto, como saiu da Câmara, tiraria, já a partir de 2021, R$ 16 bilhões do ensino público. Tal possibilidade foi rejeitada pelos senadores. O texto de Izalci foi aprovado de forma unânime, em votação simbólica.
“Seria um golpe sem precedentes contra a escola pública e seus profissionais. O ensino privado, que já recebe R$ 6,7 bilhões de dinheiro público, teria mais R$ 16 bi do Fundeb, reajustado anualmente. Uma farra. É a escola pública que atende mais de 80% dos estudantes brasileiros. Com menor investimento no Fundeb, os mais pobres pagariam a conta outra vez”, afirmou Paulo Paim.
A partir de 2021, a União terá de aumentar a complementação de recursos do Fundeb dos atuais 10% para 23%, em seis anos.
A regulamentação garante a operação dos critérios de distribuição. Com isso, 1.471 cidades passarão a receber a fatia da União. O número se refere a municípios mais carentes em Estados ricos e que não tinham o recurso extra da União.
O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento do setor e movimentou recursos de cerca de R$ 162 bilhões em 2020. O projeto aprovado na Câmara liberava o repasse de até 10% do dinheiro do fundo para instituições religiosas ou filantrópicas, sem fins lucrativos e conveniadas com a rede pública, no ensino fundamental e médio. Atualmente, isso só é permitido na educação infantil, especial e do campo.
Outro dispositivo retirado pelo Senado ampliava o rol de profissionais que poderiam ter salários pagos com recursos do fundo.
Pelo texto da Câmara, entrariam no cálculo funcionários de entidades filantrópicas e religiosas, além de terceirizados da rede pública. O relatório aprovado pelos senadores limita a definição aos professores, psicólogos e assistentes sociais que trabalham diretamente nas escolas. Além disso, o Senado retirou a inclusão das matrículas no ensino médio profissionalizante vinculadas ao Sistema S (Senai, Sesi e Senac) nos repasses do Fundeb.
Senadores chegaram a sugerir a apresentação de um projeto do zero para envio à Câmara.
Dessa forma, o Senado daria a palavra final sobre o texto se os deputados insistissem na destinação dos recursos para as escolas religiosas. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP, porém, rejeitou a sugestão afirmando que a Câmara poderia fazer a mesma coisa e provocar um novo “vai e vem” de versões. “Vai criar um imbróglio institucional entre Câmara e Senado”, afirmou.
Fonte: Agência Estado/Agência Senado