Sentinelas do porvir.
Se estamos à espera de algo, certamente é a abertura dos nossos corações ao Deus-criança que é advento e está sempre vindo ao nosso encontro para nos fazer acreditar e assegurar que outro mundo é possível.
A esperança garante que sonhemos de olhos abertos um novo projeto para nossas vidas, para a vida do mundo (Luana Azevedo / Unsplash).
A vigilância é uma postura que se requer de todo cristão e cristã e em qualquer tempo e lugar. A proximidade da vinda do Senhor exige que esses sejam os últimos a se aprofundarem no sono dos dias mais modorrentos. Por isso é preciso estar acordado, de olhos abertos para não deixar que os sinais do Reino vindouro passem despercebidos e, com isso, se perca também a oportunidade do encontro com o próprio Mestre de nossas vidas, o pobre homem Jesus de Nazaré, o Messias-criança que supera qualquer expectativa ambiciosa. Nesse aspecto, fazer-se uma pessoa vigilante, sentinela presente do porvir, pode contribuir decisivamente com o modo como o futuro se presentificará em nossas vidas e entre nós.
Quando falamos do futuro, um sentimento ou percepção comum pode ser a de que ele está sempre a escapar de nós. É incerto, desconhecido. É para além. Por isso, rejeita-se frequentemente os futurólogos, aqueles que possuem a enganosa certeza de acertar sobre o que ainda não é o presente. No entanto, embora o futuro seja sempre uma surpresa a nos alcançar no aqui e agora de nossas existências, é importante compreender que abaixo do sol nada é tão novo que não se possa projetar o curso dos acontecimentos humanos. Se por um lado a humanidade se constitui como um enigma, por outro lado o ser humano não se faz à revelia das quedas e reerguimentos, de modo que, não sendo possível fazer previsões futurísticas, as projeções podem ser realizadas sem medo, a partir da leitura dos dias e do ensinamento deixado por cada acontecimento passado.
Nesse aspecto, o tempo presente deve ser vivido com a qualidade de uma vida que não se repete e do fato de que cada fragmento de segundo é único e intransferível.
Mas longe de ostentar a bandeira de que “só se vive uma vez”, o instante presente está sempre grávido de futuro. Por isso, ele deve ser conduzido com a esperança de que há mais tempo por vir. É essa esperança que faz com que procuremos evoluir, encontrar novas soluções para problemas, fazer perguntas que movimentam saberes novos e ancestrais. A esperança garante que sonhemos de olhos abertos um novo projeto para nossas vidas, para a vida do mundo.
Por essas razões, percebemos como é ilusória a euforia do prazer do instante desconectado do desejo de que a vida, a individual e a coletiva, possa ir mais além.
Nessa perspectiva, as pessoas idosas dão enorme lição à nossa geração. Elas não foram contaminadas com a pressa e a euforia do instante, com a falta da perspectiva do futuro, provocada pela aceleração do tempo e também por nossas inseguranças diante da falta de garantias para as existências. Além disso, demoraram a entrar na dinâmica da pós-modernidade, que coloca o sujeito, sua busca de prazer pelo consumo, acima de qualquer perspectiva de futuro e de coletividade. Reféns desse tempo, nossa geração sequer imagina poder cultivar uma postura de vigilância.
Porque o futuro é furtado, a realidade é virtual-artificial e só se existe consumindo narcisicamente.
Diante desse cenário e no contexto de pandemia mundial que vivemos, corre-se grande risco ao se abdicar do posto de sentinelas do porvir na entrega individualista e eufórica ao gozo do instante sem adesão à virtude da paciência vigilante que espera o novo. O risco é ceder ao sono da noite escura que atravessamos como comunidade humana.
E na busca pelo prazer imediato, estender sobre nossas ruas tão densa escuridão que somente os que vierem depois de nós terão elementos suficientes para dissipá-la, sem jamais esquecê-la.
Se estamos à espera de algo, certamente é a abertura dos nossos corações ao Deus-criança que é advento e está sempre vindo ao nosso encontro para nos fazer acreditar e assegurar que outro mundo é possível. Mas esse novo mundo só se tornará possível se for desejado e, sobretudo, se nos dedicarmos ao árduo ofício das sentinelas do porvir.
Fonte: Dom Total
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