‘Economia de Francisco’: papa pede urgência em promover uma ‘nova mentalidade econômica’.
Evento foi acompanhado por cerca de 2 mil jovens de 40 países que desejam mudar os modelos econômicos atuais e promover um futuro menos desigual.
O papa Francisco defendeu neste sábado (21) em um encontro virtual com jovens economistas e empresários de diversos países a “urgência” de se apostar em uma “nova mentalidade econômica” que permita ajudar os “negligenciados”, os pobres e os excluídos.
Em uma mensagem em vídeo transmitida à tarde aos participantes do congresso, o pontífice argentino assegurou que: “O futuro é o momento especial em que nos sentimos convocados a reconhecer a urgência e a beleza do desafio que se apresenta. Um tempo que nos lembra que não estamos condenados a modelos econômicos (…) e na busca por políticas públicas afins que ignorem seu custo humano, social e ambiental”.
“A gravidade da situação atual, que a pandemia de covid colocou ainda mais em evidência, exige uma responsável tomada de consciência de todos os atores sociais”, acrescentou.
O papa também advertiu que “depois que a crise de saúde em que nos encontramos passar, a pior reação seria cair ainda mais na febre consumista e em novas formas de autopreservação egoísta”.
Após sua chegada ao Vaticano há mais de sete anos, Francisco criticou em várias ocasiões o modelo econômico atual por seu cinismo, indiferença às desigualdades sociais e redução dos recursos naturais do planeta.
No início de outubro, ele publicou a encíclica “Fratelli tutti” (Todos Irmãos), na qual chama o “dogma neoliberal” de “pensamento pobre” e acusa a “especulação financeira” de se basear no “lucro fácil”.
“É tempo, queridos jovens (…), de se arriscar a fomentar e estimular modelos de desenvolvimento, progresso e sustentabilidade onde as pessoas, mas sobretudo os excluídos – nos quais incluo a irmã Terra – deixem de ser, no melhor dos casos, uma presença meramente nominal, técnica ou funcional para se transformarem em protagonistas”, declarou o pontífice.
Intitulada “Economia de Francisco”, esta videoconferência internacional de três dias foi acompanhada por cerca de 2 mil jovens empresários e estudantes de 40 países que desejam mudar os modelos econômicos atuais e promover um futuro menos desigual.
Segundo dia de trabalhos: uma economia generativa
Central nas palavras de dois jovens, no início, a questão da reintegração dos prisioneiros após a prisão.
O foco é o paradigma generativo, comparado com o conhecido nos últimos séculos de produção e consumo, no discurso de Mauro Magatti, professor de sociologia na Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, realizado na conferência sobre “Generatividade, bens relacionais e economia civil”.
“O problema – aponta ele – surge quando a produção e o consumo pretendem tornar-se absolutos”.
Precisamos, ao invés, de pensar em nós como “geradores” e isto significa trabalhar numa transição formativa, uma transição organizacional, que valorize as capacidades daqueles que fazem parte da organização, uma transição comunitária, que é a ideia de subsidiariedade, e uma transição ambiental.
E é precisamente a economia generativa – assinala – que “reabre o futuro que parece fechado”.
A especificidade feminina.
Consuelo Corradi, professora de sociologia geral na Universidade de Lumsa, fala sobre a perspectiva das mulheres no tema da inclusão, e esclarece como este objetivo pode ser entendido com a chegada de mulheres ao cargo de primeira-ministra ou presidente da República, mas há também outra resposta, a de se concentrar numa maior valorização da especificidade feminina, porque as mulheres sabem acolher a imperfeição, conhecem o cansaço que existe em torno da materialidade da vida humana e sentem grande prazer em cuidar.
Isto contrasta com o individualismo extremo. Mas se a única expectativa das mulheres é serem como os homens, “vamos acabar – adverte – por esquecer esta biodiversidade e deixá-la apenas à indústria”.
Por sua vez, Leonardo Becchetti, professor de economia política em Tor Vergata, Roma, exorta a passar de um “modelo a duas mãos”, instituições e mercado, para um “modelo a quatro mãos”, envolvendo cidadania ativa e empresa responsável.
Compreender qual deve ser o objetivo das finanças.
Da generatividade ao enfoque sobre as finanças. A conferência “Finanças e Humanidade: o caminho para uma ecologia integral”, conta com a participação do Prêmio Nobel 2006 Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e criador do microcrédito moderno.
Num panorama mundial onde a riqueza está concentrada nas mãos de poucos, Yunus aponta o dedo contra o princípio da maximização do lucro.
Em vez disso, devemos recordar que o homem não é conduzido só pelo seu próprio interesse mas também pelo interesse comum.
E é precisamente o interesse coletivo que o microcrédito persegue.
Devemos, portanto, compreender o objetivo para o qual queremos prosseguir e aproveitar a pandemia como uma oportunidade não para regressar como antes, mas para mudar.
Por conseguinte, como emerge de vários testemunhos, as finanças devem tornar-se um meio e não um fim.
A seguir, um vídeo sobre as bancos da misericórdia, nascido da iniciativa dos Franciscanos precisamente para apoiar pessoas em dificuldade.
Trabalho e cuidados.
Entre as várias conferências da tarde, aquela sobre a experiência da aldeia “Trabalho e Cuidado” contou com a participação de Jennifer Nedelsky, filósofa e professora na Universidade de Toronto.
O foco está na questão da conciliação entre trabalho e cuidados, que é gratuita.
Para Nedeslky, uma boa economia virá de uma reestruturação do trabalho que envolve menos horas, de um lado, e de outro, portanto, a possibilidade de todos se envolverem no trabalho de cuidados, que hoje em dia é principalmente da responsabilidade das mulheres.
O trabalho de cuidado, de fato, sublinha, não pode ser considerado como algo separado do trabalho, mas é a sua base fundadora.
A questão do trabalho em rede no mundo do trabalho é também central, como destaca outro dos oradores desta conferência, Paolo Foglizzo, economista, que faz parte do corpo editorial da “Aggiornamenti Sociali”. É precisamente o sentido de pertença, de fato, que estimula novas energias nas pessoas.
Também na sexta, portanto, um dia cheio de reflexões, ideias, vídeos sobre as experiências das mulheres e sobre Santa Clara com a sua plena confiança na Providência, um testemunho capaz de alargar o horizonte da visão.
O último encontro do dia é a Maratona “Economia de Francisco”.
Consiste em 24 horas dedicadas à oração e a uma vigília pelas vítimas da pobreza no mundo. Uma maratona ao vivo que passa por vários países: como uma ponte para o terceiro e último dia neste sábado.
Fonte: AFP/ Dom Total