Cristãos, criticai-vos e deixai-vos criticar!
Alguns cristãos e cristãs enxergam a diversidade de narrativas e de compreensões como afronta.
O olhar suspeito em relação ao cristianismo não é perseguição. É preciso que nos critiquemos e que nos deixemos criticar, sem enxergar nisso uma afronta, uma perseguição, ou o engodo da cristofobia.
Alguns cristãos e cristãs enxergam a diversidade de narrativas e de compreensões como afronta: eis o vício de quem se julga como portador da verdade absoluta!
O cristianismo, por um tempo, foi perseguido. Nos primeiros séculos, alguns teólogos se dedicaram a defender a fé cristã, frente o poder imperial.
Esses teólogos, conhecidos como Pais da Igreja, são reconhecidos por nós como Padres Apologistas.
Como faziam essa defesa da fé? Escreviam, apresentando o que era o cristianismo e o seu valor.
Não assumiam uma postura defensiva, no entanto, e sim um papel propositivo. Depois, quando o cristianismo passou a ser religião oficial do império, sabemos bem como tudo mudou…
Passados muitos séculos, o catolicismo se viu chacoalhado pelas críticas daqueles que ficaram conhecidos como Reformadores.
Estes questionavam pontos doutrinais considerados muito importantes pela Cristandade. A reação católica, em grande parte, foi a realização do longo Concílio de Trento.
Desse Concílio, destaco duas coisas, que nos soam paradoxais: a primeira, é que foi uma oportunidade muito bem aproveitada de solidificação da teologia católica, amarrando bem algumas pontas, graças às críticas dos Reformadores; a segunda foi a postura do catolicismo institucional: a de rechaçar e condenar, sem mais, aquilo que ia contra sua compreensão.
Importa lembrar, ainda, que esse Concílio aconteceu num período de profundas transformações na Europa, que alteraria radicalmente o mundo quase estático do Ocidente.
Tudo isso fez com que o catolicismo assumisse uma postura bastante defensiva e agressiva, frente às mudanças que aconteceram. O Concílio Vaticano I, nesse aspecto, é a solidificação radical dessa postura: condenar o pensamento diverso. A apologética, nesse contexto, não era mais propositiva, tal como a dos primeiros séculos, mas fechada ao diálogo e extremamente dogmatista.
Ao que parece, uma certa arrogância dogmatista parece permanecer. Agora, não apenas mais de católicos, uma vez que pentecostais e neopentecostais têm assumido também esta postura. O mundo contemporâneo é plural: esse é um dado inquestionável e, ao que tudo indica, definitivo (se é que seja possível ler a história assim!).
Alguns cristãos e cristãs enxergam a diversidade de narrativas e de compreensões como afronta: eis o vício de quem se julga como portador da verdade absoluta!
Para o mundo contemporâneo, ou se assume uma postura aberta e dialogal, ou a tendência é a exclusão.
E, infelizmente, muitos setores do cristianismo estão cada vez mais enclausurados em si mesmos e deixados de lado pelos atores da discussão social. Isso é uma lástima.
O olhar suspeito em relação ao cristianismo não é perseguição.
Se nós, cristãos e cristãs, abrirmo-nos a um olhar crítico sobre nossa história e sobre nossa postura nela, compreenderemos os motivos pelos quais somos vistos sob suspeição e, muitas vezes, rechaço.
É preciso que nos critiquemos e que nos deixemos criticar, sem enxergar nisso uma afronta, uma perseguição, ou o engodo da cristofobia.
Se bebermos da fonte que é o Novo Testamento, perceberemos que os autores sagrados não tinham a ilusão de que a comunidade cristã fosse perfeita: muito pelo contrário, deixam transparecer os conflitos pelos quais a comunidade passava. Mas sabiam que o cristianismo podia sempre ser melhor, sempre fazer a diferença.
Eis o tempo propício para que sejamos melhores: não melhores na verdade que transmitimos, mas melhores no serviço evangelizador ao mundo, de forma humilde e dialogal.
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com
Fonte: Dom Total
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