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Fome no país da avareza e da estupidez

Fome no país da avareza e da estupidez.

A volta da fome no país da avareza e da estupidez.
Precisamos de São Basílio de Cesareia para nos dizer algumas verdades.
‘Fixas os olhos no ouro, mas não olhas o rosto do pobre’, repreendia São Basílio

Nada mais detestável! O avarento é capaz de vender sua alma ao diabo (Eclesiástico 10,9-10). A avareza mata. É estúpida.

O Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo. O Brasil tem 69 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. Mais de 10 milhões passando fome (IBGE). Até arroz virou artigo de luxo. A soja mata a fome de quem? Mais de 60% das exportações do agronegócio vão para ração.

No século 4º, Basílio, santo e bispo de Cesareia, conhecia os mecanismos que tornava alguém rico: falsificação de documentos de propriedade que possibilitava aos latifundiários invadir pequenas propriedades; avareza; especulação com o valor dos produtos de mercado para vende-los a preços mais elevados ou trocá-los pelos filhos dos pobres para fazê-los escravos.

Os ricos não pagavam impostos e eram subsidiados pelo governo. Omissão do Estado para socorrer uma população faminta explorada por poderosos ruralistas.

Dois tempos, semelhante realidade, próprios para o sermão de Basílio Sobre a palavra do evangelho segundo Lucas: “destruirei meus celeiros e construirei maiores” sobre a avareza ou o rico estúpido. Alguns fragmentos para o Brasil de hoje.

“Dúplice é o tipo da tentação: as tribulações e a prosperidade econômica. Exemplo da primeira é Jó. Da segunda tratarei: ‘as terras de um rico deram uma abundante colheita. E ele refletia:
Que farei? Demolirei meus celeiros e construirei outros maiores’ (Lc 12,16-18).
A colheita é abundante para que a bondade de Deus se estenda também aos pobres. Porém, o rico desprezou a lei: ‘Reparte o pão com o faminto’ (Is 58,7). Estava surdo ao grito dos profetas e do Mestre.

Todo homem atormentado pela prosperidade é um miserável.

Aquilo que aos pobres é alegria, ao avarento é angústia. A falta de celeiros maiores é uma tortura porque, se escapar alguma migalha, os famintos se aproveitarão delas. ‘Que farei?’ Seria ocasião de dizer: saciarei quem tem fome, abrirei meus celeiros e chamarei todos os indigentes.
‘Quantos não tenham pão, vinde a mim; tome cada um o suficiente do dom concedido por Deus, como de uma fonte comum’ (Gen 47,13-26). Como o trigo semeado transforma-se em lucro, assim o pão dado ao faminto renderá lucro abundante: ‘Semeai sementes de justiça’ (Os 10,12).

‘Muito melhor um bom nome que grandes riquezas’ (Prov 22,1).

Por que tanta mesquinhez em repartir se uma glória bem mais elevada te espera? Que se possa dizer de ti: ‘É generoso, distribui de boa vontade aos pobres, sua justiça permanece para sempre’ (Sal 111,9).
Por tanto, não espere a alta dos preços para enriquecer às custas da fome do pobre.
‘O povo maldiz quem retém o trigo’ (Prov 11,26). Não socorrer os famintos é desfrutar das desgraças humanas e tornar mais dolorosa as chagas de quem é golpeado pelos poderosos. Fixas os olhos no ouro, mas não olhas o rosto do pobre.
Reconheces a marca da moeda, porém ignoras o irmão necessitado. O brilho do ouro te seduz e não pensas na dor do espoliado que o acompanha.

Como pôr sob teus olhos os sofrimentos do pobre?

Imagina o conflito entre a miséria da fome e o amor paterno: a fome ameaça de morte deplorável, a natureza o induz a morrer juntamente com os filhos. Essa dor não te comove. Em tudo só vês ouro: imaginas o ouro; sonhas com ouro; acordado, cobiças ouro. Não vês a realidade, apenas riqueza.

O trigo se torna ouro. Todas as mercadorias viram ouro. Tuas ambições não têm limites.

Quanta estupidez! Os ricos nem sabem se estarão vivos amanhã. ‘Estúpido, nesta noite, tua alma te será pedida; aquilo que guardaste, para quem irá?’ (Lc 12,20).
Que sejam destruídos os celeiros da iniquidade, arrancai seus telhados, derrubai os muros, expõe o trigo bolorento e mostra ao mundo as tenebrosas moradas de Mamon. Ora, já tens celeiros: sãos as casas dos pobres.
O faminto desfalece! Não digais: ‘Vai e volta, amanhã te darei’ (Prov 3,28). Mas a avareza te tapou os ouvidos.

A avareza é o pior de todos os pecados.

Todo avarento é ladrão. Os ricos apoderam-se primeiro do que é de todos. Quem é o ladrão? O pão que tu reténs pertence ao faminto, a roupa que guardas no armário pertence aos esfarrapados.
O dinheiro que escondeste é do necessitado. Tantos são aqueles aos quais fazes injustiças quantos aqueles que poderias ajudar.

Como porei diante dos olhos os sofrimentos dos famintos, para que te convenças da dor que provocas com tuas riquezas?
As trevas te envolverão se ouvires: ‘Afastai-vos de mim, malditos, nas trevas exteriores, preparadas para o diabo e os seus anjos: porque tive fome e não me destes de comer’ (Mt 25,41-42)”.

Precisamos recorrer a Basílio de Cesareia para nos dizer verdades. Hoje em dia nem com lupa conseguiremos encontrar vestígios de Evangelho em muitos sermões.

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja’ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016)

Fonte: Domtotal

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