Viver Evangelizando

Casaldáliga: o abraço de um santo

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Dom Pedro Casaldaliga converca com o ator Eduard Fernandes.

Em tempos tão sombrios, sua vida nos ensina que um cristão jamais deve recuar diante das forças da morte e da injustiça. Dom Pedro Casaldaliga hoje e sempre.

“Na dúvida, fique ao lado dos pobres”. Esta frase marcou a vida de dom Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT). Este espanhol, que faleceu aos 92 anos de idade, naturalizou-se brasileiro logo que se mudou para a Amazônia, em 1968. Em seu primeiro dia de trabalho, quatro crianças mortas colocadas em caixas de sapatos foram deixadas na varanda de sua casa para serem enterradas. Agora está ao lado delas.

Reze conosco em Meu dia com Deus
Casaldáliga tornou-se personalidade histórica da Igreja da América Latina. Referência mundial na defesa dos Direitos Humanos e da Pan-Amazônia. Morava há mais de 50 anos em uma casa humilde. Sua mitra era um chapéu de palha, seu báculo um remo, seu anel era de tucum. Sempre de calças jeans e chinelos. Dormia com a porta sempre aberta caso alguém precisasse de um lugar para pernoitar. Quando precisava participar de reuniões episcopais em Brasília, ia de ônibus.

Dom Pedro foi o primeiro líder religioso a denunciar a brutalidade do capital contra os povos da Amazônia.

Primeiro a denunciar a existência do trabalho escravo no Brasil. Pedro enfrentou o poder dos ruralistas e da ditadura militar.
Ajudou a criar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), apoiou os movimentos sociais e organizações dos trabalhadores.
Sua atuação a favor dos pobres lhe valeu inúmeras ameaças de morte. “Minhas causas valem mais que minha vida”, dizia.

No dia 24 de outubro de 2000, Pedro recebeu da Unicamp o título de Doutor Honoris Causa, maior honraria concedida por uma Academia. Mas, por tudo o que o rio significa para a ecologia, para o mundo indígena, para as lutas camponesas, “entregou” o título ao rio Araguaia. Segue abaixo, extratos da aula magna proferida por ele para a ocasião.

O título pode ser traduzido como passionis causa ou “paixão pela utopia”. Paixão escandalosamente desatualizada, nesta hora de pragmatismos, de produtividade e mercantilização da vida. Mas é a paixão da esperança, a paixão pelo Reino, paixão do Deus de Jesus. Uma paixão que coincide com a melhor paixão da humanidade, quando quer ser plenamente humana e definitivamente feliz.

Utopia como um lugar onde caibam todos.

Não a globalização neoliberal, homicida, suicida, ecocida; mas a mundialização da solidariedade para construir aquela igualdade na dignidade, nos direitos e nas oportunidades das pessoas e dos povos, que farão a Humanidade una, ainda que plural com suas alteridades.
O Evangelho é a utopia maior proposta pela sensatíssima sabedoria do Deus que é Amor e Vida.

Quanto mais se decreta o final da história, mais vêm proliferando as vozes, os gestos, as propostas de contestação, de alternatividade e sonho. Contra o caminho único e fechado! Encontros indígenas, afroamericanos, de mulheres, do movimento popular. Das marchas do MST ao Davos alternativo. Propostas utópicas de sociólogos e teólogos.

A revista de teologia Concilium dedicou seu último número de 1999 a repensar a história passada e presente, sob o título 2000:

Realidade e Esperança. Nele, o teólogo da ética, Marciano Vidal, no artigo A Ética como sinal de esperança: a bondade do coração da gente simples, apresenta três atitudes sobre as quais se apoiam as esperanças da humanidade: olhar puro para ver a realidade sem preconceitos nem interesses; empatia compassiva para solidarizar-se com os fracos; simplicidade de vida como valor alternativo, tal como descrito no Sermão da Montanha, a carta magna da sociedade alternativa que Jesus propõe.

A utopia de que compartimos com milhões que nos precederam e com milhões que hoje lutam e marcham e cantam, está em construção. Somos operários da utopia em construção. A proclamamos e fazemos, é dom de Deus e conquista nossa.

Esperamos contra toda esperança. A esperança só se justifica nos que caminham. Para outro Brasil, para outro mundo, necessitamos uma política outra em todas as esferas da vida social e também, outra universidade. Uma universidade que forje valores e compromissos e não credencial de privilégios e interesses; de vanguarda, mas a serviço. Uma universidade não para o sistema, mas para a vida. Não para a oligarquia, mas para o povo. Inculturada e pluricultural; politizada e militante; livre e libertadora. Que o povo possa conquistar a universidade como se conquista a terra, a moradia, a saúde, a cidadania. Teremos que criar um MSU, o Movimento dos Sem Universidade? Queremos uma universidade galhardamente utópica!

A utopia é sonho, estímulo e serviço. A esperança nos foi dada para servirmos aos desesperançados.

A humanidade não é suicida, tem genética divina. É filha do Deus da Vida. O “princípio esperança” é o mais radical DNA da raça humana.
Caminhamos até alcançarmos a estatura do humano perfeito, d’Aquele que fracassou diante dos poderes religiosos, econômicos e imperiais, que foi excluído “fora da cidade” como subversivo maldito pendurado numa cruz, mas que é Ressuscitado e “faz novas todas as coisas”.
Cremos na Páscoa, Páscoa somos! Da cidade ao sertão, esta é a palavra de ordem: Na utopia da Terra Sem Males sempre!

Pessoas como Casaldáliga não morrem. Em tempos tão sombrios, sua vida nos ensina que um cristão jamais deve recuar diante das forças da morte e da injustiça.

Na Romaria dos Mártires de 2001 fui abraçado por este santo.

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja’ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016)

Fonte: DomTotal

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