Renda básica universal: Páscoa é um pedaço de pão para quem tem fome.
A renda básica universal, segundo o Papa, deve ser uma luta de todos os movimentos e organizações populares.
Mais do que nunca, as pessoas, os povos devem estar no centro de tudo, unidos para curar, cuidar e compartilhar.
“Nestes dias de tanta angústia e dificuldade, muitos se referem à pandemia com metáforas bélicas.
Se a luta contra a Covid-19 é uma guerra, vocês são um verdadeiro exército invisível que luta nas trincheiras mais perigosas.
Um exército sem outra arma senão a solidariedade, a esperança e o sentido da comunidade que enverdecem nos dias de hoje em que ninguém se salva sozinho”.
Assim Papa Francisco se dirigiu, em Carta, no domingo de Páscoa, aos movimentos e organizações sociais para lembrar que agora, mais do que nunca, as pessoas, os povos devem estar no centro de tudo, unidos para curar, cuidar e compartilhar.
Na Carta, Francisco ressalta o descaso do mercado e do Estado com as periferias, “para este sistema, verdadeiramente invisíveis… excluídos dos benefícios da globalização”, mas não das desgraças causadas por ela:
“Como é difícil ficar em casa para quem mora em uma pequena casa precária ou um sem-teto.
Vendedores ambulantes, recicladores, feirantes, pequenos agricultores, pedreiros, costureiras, os que realizam tarefas de cuidado. Trabalhadores informais, autônomos ou da economia popular, não têm um salário estável para resistir a esse momento.
As quarentenas são insuportáveis para vocês”. Sim, a fome é a pior das torturas. Leva ao desespero.
A Carta transpira realidade. Trabalhar, sobreviver, morar. O mundo já soma mais de 200 milhões de desempregados.
E pode chegar a 470 milhões se incluímos os subempregados e os que desistiram de procurar trabalho.
A pandemia pode deixar mais de 25 milhões de pessoas sem emprego. Quase 61% da força de trabalho realiza atividades informais, mal remunerados e sem proteção social. Mais de 650 milhões de trabalhadores vive em condições de pobreza extrema (Organização Internacional do Trabalho).
“Se tiver arroz e feijão eu deixo elas comendo.
A prioridade são as crianças. Eu me viro com o que eu posso” diz Gabriel da Silva Ferreira, pedreiro.
A fome já é uma realidade para muita gente.
O Relatório da Oxfam, Dignidade, não indigência, mostra que entre 6% e 8% da população, cerca de 500 milhões de pessoas, poderão entrar na pobreza.
Para não morrer, aceitam qualquer tipo de trabalho. Entregadores, faxineiros, caixas de supermercado, repositores, todos serviços essenciais, mas mal remunerados. Considerados por muitos “empregos de merda” (bullshit job).
No Brasil, a pandemia aprofunda a já cruel realidade dos pobres.
As tendências apontam para desemprego em massa, principalmente para os informais que representam 41% dos trabalhadores.
São mais de 25 milhões se virando como podem para ter o que comer.
É uma questão de sobrevivência. 53 milhões de brasileiros vivem na linha da pobreza, com menos de R$ 420 por mês (Fundação Getúlio Vargas).
A maioria dessa população se amontoa nos morros, aglomerados, favelas e ocupações.
Pessoas sem uma renda mínima para permanecer por muitos dias em distanciamento social.
São milhões sem saneamento básico, água potável e transporte público. O confinamento parte do princípio de que todos tenham uma casa onde possam ficar.
Há casas em que três, quatro pessoas dividem um cômodo. Moradias onde é impossível ficar o dia inteiro.
Francisco, na Carta, relança uma proposta urgente:
“É hora de pensar em uma renda universal que reconheça e dignifique as tarefas nobres e insubstituíveis que vocês realizam; capaz de garantir e tornar realidade esse slogan tão humano e cristão: nenhum trabalhador sem direitos”.
A renda universal, segundo o Papa, deve ser uma luta de todos os movimentos e organizações populares.
A discussão sobre a renda básica já está na pauta.
É uma transferência de renda direta, incondicional e permanente, paga por uma comunidade política a todos os seus membros individualmente, independentemente de sua situação financeira ou exigência de trabalho (Philippe van Parijs).
Angus Deaton, o escocês Prêmio Nobel de Economia de 2015, defende uma renda básica que as pessoas receberiam “simplesmente” por existir.
Um recurso contra crises prolongadas e profundas como esta provocada pelo coronavírus.
Reino Unido e Índia estão preparando programas-piloto de renda básica.
Finlândia está testando uma renda básica com 2 mil desempregados com idades entre 25 e 58 anos.
Na Itália, uma renda de cidadania foi apresentada pelo Movimento Cinco Estrelas.
A implementação de um ingresso básico cidadão erradicaria a pobreza em 66 países, beneficiando 185 milhões de pessoas, e teria um custo de somente 1% do PIB dessas economias (Brookings Institution).
Mundo novo pós-pandemia? Para quem? Quando a crise acabar, vamos fingir que foi só um pesadelo?
Vamos fingir que nada aconteceu? Vamos refazer tudo de novo, do mesmo jeito?
Milhões de pessoas “vendem o almoço para comprar a janta”. Vivem da rua para ter o que comer.
A pandemia escancarou uma realidade que já existia.
A tragédia social não foi causada pelo novo coronavírus, ela é aumentada por ele.
A pandemia é de agora, mas a tragédia humana sempre esteve aí, escancarada.
Quando a Covid-19 encontra um país em que milhões de trabalhadores se divide entre a informalidade e o desemprego, os efeitos são devastadores.
Não tem home office para quem vende produto da rua.
É muito pior do que mostram as notícias. A renda básica universal é “para ontem”.
Continuem a luta, e se cuidem como irmãos! (Papa Francisco).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
Fonte: Dom Total
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