Sem amor nada somos.
Esperamos por esta crise letal para descobrir o que realmente é importante em nossa vida? Assim, sem amor o que somos?
Quem ama de verdade saboreia algo de eternidade no tempo, o amor de Deus, a quem não se vê
O que é crise?
O Estado, os economistas, os políticos imersos em tantas crises buscam respostas para elas, tão fáceis de identificar e tão difíceis de solucionar.
Não sabemos resolver as crises, sequer defini-las.
Tudo se torna mais valioso quando estamos privados do essencial por muito tempo.
O valor da crise é o que ela purifica (Nietzsche). Todas as crises da história não passam de antecipações da única crise imprescindível, da qual estamos certos desde que nascemos e que irrompe como horizonte último.
A morte é a crise por excelência, a crise crucial.
A morte decide tudo e tudo finda.
Na morte, a verdade sobre a vida.
Minha morte decide a minha vida e dá sua verdade:
“Será possível que somente a morte seja verdade?” (Tostoi, Irmãos Karamazóv).
Há em tantas mortes destes tempos algum sentido de redenção, de salvação?
Diante dos fatos, podemos suportar o fardo de nossos atos?
O mal nos destrói com uma lógica imutável.
Sua lógica nos conduz ao mistério da iniquidade.
O pior, no mal, é a lógica da vingança que bloqueia a verdade.
O momento supremo do triunfo da lógica do mal é acusar quem suporta um mal universal: Deus.
Como se isso restabelecesse a normalidade.
Ao contrário, a lógica do mal despoja-nos do amor, nos leva ao nada.
O nada que destrói a todos.
Fausto, de Ghoethe, ao escolher perder sua alma para dominar o mundo, exerce a autoridade da morte e só triunfa pela morte.
É a lógica diabólica da necropolítica e da necroeconomia.
Com elas, a tragédia tornou-se irrestrita.
Ainda assim, continuamos crendo que tudo é possível e tem solução.
De que saída está se falando? Voltar à normalidade das tragédias que já integram nossa paisagem?
Esperamos por esta crise letal para descobrir o que realmente é importante em nossa vida?
O ser que morre realiza um ato que o eterniza, e que o faz passar para a perenidade, quando suas ações o aproximam de Deus.
Na morte, descobrimos que a realidade era apenas uma questão de amor.
É irracional partir de um ponto de vista diferente do amor, quando a vida mostra que só o amor é essencial.
O amor define o horizonte último da condição humana.
Quem ama compreende melhor a realidade.
A sua, a do outro, a do mundo.
O amor não respeita a racionalidade das lógicas humanas, ele tem seu próprio rigor, dizia Santo Agostinho:
“Por ventura, se diz que não deveis amar alguma coisa?
De modo algum! Imóveis, mortos, abomináveis e miseráveis: eis o que seriamos se não amássemos.
Então, muita atenção ao que é digno do teu amor!”
O amor se dá entre o tempo humano e a eternidade que nos escapa.
Não se trata de uma escolha, mas de algo anterior a qualquer vontade ou decisão.
Amar não depende de ser, pois podemos amar tanto o que ainda não é como o que não é mais.
É hora de despir o amor das representações e das pressuposições estabelecidas que transformam o outro em mero objeto casual.
Esta é a crise crucial.
Crucial vem de cruz. Só o amor que tudo suporta (1Cor 13,7) pode fazer ver o abandono do Amor na figura da humanidade.
O amor é predicado de Deus (1Jo 4,8), da humanidade ele é mandamento:
Amai-vos! Amamos porque Deus nos amou primeiro. O Amor se dá ao mundo amando até o fim.
O que, se não o Amor, mais se expôs aos absurdos da humanidade?
Este Amor rejeitado provoca uma crise de identidade em nós, que exige uma decisão diante não só da própria morte, mas da morte do outro.
Afinal, para que o amor? Para existir para sempre, o amor nos abre as portas da eternidade.
“Tu inicias tua história com o início do amor e acabas junto a um túmulo.
Mas aquela eterna história de amor iniciou muito antes.
Iniciou com teu início, quando passaste a existir, saindo do nada.
E tanto é verdade que não voltarás ao nada, como é verdade que tua história não acabará no túmulo” (Kierkegaard).
São tempos de amar sem ver.
Quando é preciso ver para amar, então não é amor de verdade.
Porque o amor sempre permanece, na presença e na ausência.
Invertamos o ver para amar. Amar o ausente é amor sem retribuição.
O cristão não precisa ver para amar. Mas precisa amar para ver.
Quem ama de verdade saboreia algo de eternidade no tempo, o amor de Deus, a quem não se vê.
A verdade a qual o amor nos conduz é a que me dá a conhecer não só a Deus, mas a mim mesmo.
“Agora vemos por enigma, como em espelho, mas então veremos face a face; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido” (1Cor 13,12).
Que nestes tempos sombrios “permaneçam estas três coisas: a fé, a esperança e o amor; mas a maior de todas é o amor” (1Cor 13,13).
Pode-se perder a fé e até mesmo a esperança. Mas jamais o amor.
Quer ser alguém na vida? Ame! Porque, “sem amor eu nada seria” (1Cor 13, 2).
“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” (Renato Russo).
Que a Semana Santa aumente em nós o amor.
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje.
Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
Fonte: Dom Total