Sentido de fé da Quinta-feira Santa
“Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros “(Jo 13, 13).
Caros irmãos e irmãs,
São João inicia seu relato sobre como Jesus lavou os pés de seus discípulos com uma linguagem particularmente solene, quase litúrgica. «Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo que havia chegado sua hora de passar deste mundo ao Pai, depois de ter amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim» (Jo 13, 1).
É chegada a «hora» de Jesus, junto à qual seu agir era dirigido desde o início. O que constitui o conteúdo desta hora, João o descreve com duas palavras: passagem (metabainein, metabasis) e agape – amor. As duas palavras ilustram o evento; ambas descrevem a Páscoa de Jesus: cruz e ressurreição, crucifixão como elevação, como «passagem» à glória de Deus, como um «passar» do mundo ao Pai.
Não é como se Jesus, depois de uma breve visita ao mundo, agora simplesmente partisse e retornasse ao Pai.
A passagem é uma transformação. Ele leva consigo sua carne, o seu ser homem. Sobre a Cruz, na doação de si mesmo. Ele é como que fundido e transformado em um novo modo de ser, no qual agora está sempre com o Pai e contemporaneamente com os homens.
Jesus transforma a Cruz, o ato da execução, em um ato de doação, de amor até o fim. Com esta expressão, «até o fim», João refere-se em antecipação à última palavra de Jesus sobre a Cruz: tudo foi levado a término, «está consumado» (19, 30). Jesus vive intensamente o amor, ama a humanidade ao ponto de se doar inteiramente, sem reserva.
Mediante seu amor, a Cruz torna-se metabasis, transformação do ser humano no ser partícipe da glória de Deus.
Nesta transformação, Ele envolve todos nós, atraindo-nos dentro da força transformadora de seu amor, a ponto de, em nosso ser com Ele, nossa vida se torna «passagem», transformação. Assim, recebemos a redenção – o ser partícipes do amor eterno, uma condição à qual tendemos com toda a nossa existência. É por isso que na sua ascensão Ele leva a nossa humanidade para perto de Deus.
Este processo essencial da hora de Jesus é representado no lava-pés em uma espécie de profético ato simbólico. Nele, Jesus evidencia com um gesto concreto justamente isso que o grande hino cristológico da Carta aos Filipenses descreve como o conteúdo do mistério de Cristo.
Jesus depõe as vestes de sua glória, cinge-se com o «pano» da humanidade e se faz escravo.
Lava os pés sujos dos discípulos e os faz, assim, capazes de participar do convívio divino ao qual Ele os convida. Ao lado das purificações cultuais e externas, que purificam o homem ritualmente, deixando, contudo, assim como é, subentende-se o banho novo: Ele nos torna puros mediante sua palavra e seu amor, mediante o dom de si mesmo. «Vós já estais limpos pela palavra que vos anunciei», dirá aos discípulos no discurso sobre a videira (Jo 15, 3). Sempre de novo nos lava com sua palavra.
É um ato de humildade que é um grande exemplo para cada um de nós cristãos, e se acolhemos as palavras de Jesus em atitude de meditação, de oração e de fé, elas desenvolvem em nós sua força purificadora e de fazer o mesmo que o Mestre fez.
Sentido de fé.
Somos convidados nesta liturgia de hoje de olhar o nosso interior, fazer uma profunda reflexão, de retirar os excessos que nos distanciam de sermos homens e mulheres humildes;
somos ainda convidados a tirarmos todo tipo de sujeira que impede o nosso encontro com o outro e com o sagrado, abandonar os preconceitos e a falsidade. Tudo isso ofusca e contamina nossa alma, ameaça-nos com a incapacidade para a verdade e para o bem.
Se acolhermos as palavras de Jesus com coração atento, elas se revelam verdadeira limpeza, purificação da alma, do homem interior.
É a isso que nos convida o Evangelho do lava-pés: deixar-nos sempre de novo lavar por esta água pura, deixar-nos ser capazes da comunhão com Deus e com os irmãos.
No Evangelho do lava-pés, o colóquio de Jesus com Pedro apresenta um aspecto particular da prática da vida cristã, no qual queremos finalmente fixar nossa atenção. Em um primeiro momento, Pedro não queria deixar-se lavar pelo Senhor: esta mudança da ordem, que, isto é, o mestre – Jesus – lavasse os pés, que os patrões assumissem o serviço do escravo, contrastava totalmente com seu termo reverencial a Jesus, com seu conceito da relação entre mestre e discípulo.
«Não me lavareis os pés», disse a Jesus com a sua conhecida impulsividade (Jo 13, 8). É a mesma mentalidade que, depois da profissão de fé em Jesus, Filho de Deus, em Cesaréia de Filipo, o tinha impulsionado a opor-se a Ele, quando predisse a reprovação e a cruz: «Isso não te acontecerá!», tinha declarado Pedro categoricamente (Mt 16, 22).
Seu conceito de Messias comportava uma imagem de majestade, de grandeza divina.
Devia aprender novamente que a grandeza de Deus é diferente da nossa ideia de grandeza; que essa consiste justamente no baixar, na humildade do serviço, na radicalidade do amor até a total auto-expiação. E também nós devemos aprender sempre mais, porque sistematicamente desejamos um Deus do Acontecimento, e não da Paixão; porque não somos capazes de perceber que o Pastor vem como Cordeiro que se doa e assim nos conduz à justa pastagem.
Quando o Senhor diz a Pedro que sem a limpeza dos pés ele não poderia ter alguma parte com Ele, Pedro rapidamente pede com ímpeto que lhe sejam lavadas também a cabeça e as mãos. A isto segue a palavra misteriosa de Jesus: «Quem tomou banho, não tem necessidade de se lavar senão os pés» (Jo 13, 10).
Jesus alude a um banho que os discípulos, segundo as prescrições rituais, já tinham feito; para a participação na convivência era necessária agora somente a lavagem dos pés. Mas naturalmente se esconde nisso um significado mais profundo. A que faz alusão? Não sabemos com certeza.
Em todo caso, tenhamos presente que o lava-pés, segundo o sentido de todo capítulo, não indica um único específico Sacramento, mas o sacramantum Christi em seu conjunto – seu serviço de salvação, sua descida até a cruz, seu amor até o fim, que nos purifica e nos torna capazes de Deus.
Aqui, com a distinção entre banho e lavagem dos pés, todavia, se torna também perceptível uma alusão à vida na comunidade dos discípulos, à vida na comunidade da Igreja – uma alusão que João talvez queira conscientemente transmitir às comunidades de seu tempo, para que possa cada vez mais tornar uma comunidade que serve.
Devemos sim lavar os pés uns dos outros no serviço cotidiano mutuamente por amor. Mas devemos lavar os pés também no sentido de sempre perdoar uns aos outros. O débito que o Senhor nos remitiu é sempre infinitamente maior que todos os débitos que outros possam ter em nossos confrontos (cf. Mt 18, 21-35).
A isto nos exorta a Quinta-feira Santa: não deixar que o rancor para com o outro se torne no fundo um envenenamento da alma. Exorta-nos a purificar continuamente nossa memória, perdoando-nos mutuamente de coração, lavando os pés uns dos outros, para podermos, assim, chegar juntos no convívio de Deus.
A Quinta-feira Santa é um dia de gratidão e de alegria pelo grande dom do amor até o fim, que o Senhor nos fez. Queremos pedir ao Senhor nesta hora que a gratidão e a alegria se tornem em nós a força de amar em união com seu amor.
Que Deus Abençoe cada um de vós!
Pe. Erberson Dias
Atual Vigário Paroquial da cidade de Carinhanha-Bahia, na Paróquia São José. O mesmo, sempre que possível nos prestigia com excelentes contribuições textuais.
Desde já, nosso agradecimento e que o Senhor Deus continue iluminando sua linda vocação.