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Não temos missas, mas temos Deus

Não temos missas, mas temos Deus

Não temos missas, mas temos Deus. Itália: o país que redescobre o valor da fé em meio a uma tragédia
Pe. Giuseppe Corbari celebra missa sozinho diante de fotos dos seus paroquianos em Robbiano, na Itália

Os sinos das igrejas soam ao meio dia. Posso ouvi-los da janela do meu quarto, diariamente, neste 12º dia de quarentena.
Em uma cidade com mais de 900 igrejas, impossível não notá-los.
Desta vez, essa sequência de batidas não nos chamam para a próxima missa que está para começar, mas nos recorda que Deus está ali.
Mesmo que tantos questionem sua existência em meio a essa crise, é a Ele que esse som nos remete.

Esses embalos se tornaram a única sinfonia que rompe o véu do silêncio que paira sobre a cidade eterna nesses dias.
O céu azul, prelúdio da primavera, é como o sorriso confortante da natureza nesse período difícil.

“Andrà tutto bene” – Tudo vai ficar bem – se tornou a oração de um país.

Após o triste cortejo fúnebre com 60 caixões realizado pelo exército italiano, na cidade de Bérgamo, no norte da Itália, o país que canta na sacada dos prédios e expressa sua capacidade de superação em meio à essa situação devastadora, se prepara para iniciar o luto coletivo.

Difícil saber quantas famílias ainda aguardam boas notícias vindas das unidades de terapia intensiva espalhadas pelo país e quantas já se prepararam para o pior.
São milhares de campanhas de oração em meio a um país sem missas, mas nem por isso com menos fé.

É aí que as circunstâncias fazem a religiosidade superar a religião; fazem a espiritualidade superar todas as práticas espirituais.

Padres que celebram missas com as fotos de fiéis, outros que as transmitem pela internet e aqueles que pedem pela alma dos companheiros sacerdotes que morreram com o Covid-19.
Atitudes que levaram até o papa Francisco a tecer elogios.

A “Igreja em saída” que ele tanto evoca, demonstra a força que tem.

E ele, salvaguardado em casa por causa de sua fragilidade física aos 83 anos, se une espiritualmente à dor de quem perdeu um ente querido da sua idade.

Na Itália, morreram 20 padres até agora, e a maioria trazia na bagagem mais de 50 anos dedicados à Igreja.
Sem contar que, neste momento, há outras dezenas de padres infectados, dentre os quais alguns estão na UTI.
Números que podem aumentar por causa da minimização do problema que se instalou em meados de fevereiro.

Que a ignorância dos católicos ao redor do mundo não contribua para que essa triste história se repita em outros lugares.

Não foram poucos os protestos, inclusive no Brasil, contra as medidas tomadas pelos bispos italianos, que atendendo ao pedido do governo de evitar aglomerações, suspenderam a celebração de missas públicas em todo o território nacional.
O alarde feito por muitos católicos brasileiros, alheios a uma realidade que só quem vive no segundo país mais atingido pela doença é capaz de avaliar, provém de uma ignorância coletiva em relação ao desastre causado por esse vírus.

Uma espécie de “dissonância cognitiva” que separa a fé do confronto com a realidade.

Quando tudo começou, estávamos no auge do inverno, enquanto os brasileiros tomavam banho de mar.
Nem a possibilidade de missa campal, aqui, poderia ser cogitada.
O vírus, esse inimigo silencioso mundial, poderia ocupar os bancos das igrejas sem que percebêssemos.
Diante de emergências, medidas drásticas.

E a Igreja cumpriu o seu papel civil e social. Uma decisão difícil, mas que condiz com aquilo que a instituição diz salvaguardar: a dignidade humana.

Enquanto isso, católicos corajosos e conscientes dos riscos – e sem missa! – prestam, diariamente, auxílio aos pobres atendidos pela Caritas que se ficaram desamparados após a pandemia.
Dos 30 voluntários que serviam as refeições em uma das sedes do órgão na diocese de Roma, 27 decidiram ficar em casa por medo de contágio.

Ou seja, 3 pessoas se desdobram para servir 400 pessoas todos os dias.
Pergunto: dos que protestaram contra o fim das missas, quem está vivendo a dimensão da caridade nesse tempo de quaresma?
A frase “a fé sem obras é morta”, eternizada por Tiago, também se aplica nesses casos.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras

Fonte: Vaticano/Dom Total

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