O alto mundo das drogas.
Assim, de modo disfarçado, somos expostos ao alto mundo das drogas lícitas.
Na proximidade de mais um Natal, quando as compras se viralizam, os estados depressivos se multiplicam.
Poucos temas ocupam tanto a mídia, como o baixo-mundo das drogas.
Reportagens são feitas sobre os usuários de crack – talvez a pior delas –, também sobre os consumidores de haxixe, cocaína, estimulantes e alucinógenos.
E da mais popular de todas elas, que é a maconha.
Felizmente, em nosso país a heroína ainda não tem mercado significativo, provavelmente pelo seu alto custo, totalmente fora do alcance dos habitantes do baixo-mundo das drogas.
Digo felizmente, porque ela é a responsável pela pior dependência, de dificílima recuperação.
Ainda que o crack, mais barato, e por isso mais popular, faça tanto estrago como a elitizada heroína.
Contudo, bem distante desse baixo-mundo, existe um outro, a que chamo de “alto mundo das drogas”, que mesmo causando tantos danos, não recebe tanto espaço nas mídias, tampouco entre as autoridades.
Refiro-me ao uso dos tranquilizantes, antidepressivos e soníferos, de aquisição absolutamente legal, sem repressão policial, sem as ameaças de traficantes, apesar de igualmente danosos à saúde das pessoas, e ao equilíbrio familiar e social.
Eles se tornaram na melhor solução para os dias estressantes, onde é enorme o número de pessoas tensas, preocupadas, angustiadas.
Seja por questões financeiras, seja por questões relacionais ou afetivas.
Irritados, porque já não se aceitam negativas, discordâncias, tampouco as críticas, ainda que construtivas.
Não admitindo frustrações, e sendo carentes de resiliência, encontraram uma saída aparentemente fácil e eficiente:
basta uma receita médica, coisa não tão difícil para se conseguir.
Se alguém está infeliz em seu trabalho, em seu emprego, alguns miligramas de diazepínico poderão lhe trazer boa dose de satisfação e aceitação das pressões.
Se seu chefe lhe aborrece, cobrando qualidade e rapidez em seus serviços, mais alguns miligramas ajudarão na sobrevivência a essas cobranças.
Ou telefone toca a todo instante, interferindo com suas metas de trabalho, ou com seu relaxamento, outros miligramas a mais, e o nirvana estará disponível.
Se o trânsito está ruim, o ônibus demorando a chegar, e além disso quando chega já está cheio, o dia fica estragado.
Voltando para casa, e descobrindo que a falta de energia elétrica não lhe permitirá preparar aquele jantar com que sonhava, e o chuveiro não está esquentando a água para um banho relaxante, só uma cerveja para desestressar.
E se o sono não chega, bastam poucas gotas de clonazepan para alcança-lo rápido e profundo.
Se ao chegar em casa não encontra a esposa, o marido, mas somente um recado na geladeira dizendo que ela foi ao cinema com as amigas, ele foi para um “happy hour” com sua turma, talvez uma ou mais doses de uísque atenuará a frustração que se instala.
E se demora a chegar, e o cansaço apertar, um bromazepan certamente proporcionará o desligamento mental que deseja.
Nesse caso, a associação álcool-tranquilizante, será uma trágica combinação para lhe causar danos, e outras consequências piores, podendo até chegar a óbito.
Brigas domésticas, geralmente no final do dia, são a desculpa ideal para o álcool, os tranquilizantes e soníferos.
Cada um para o seu lado, nem o ressonar do outro irá lhe perturbar.
Insatisfação com a qualidade de vida, decepção com o saldo bancário, que certamente exigirá cortes radicais nas despesas com supérfluos, mais motivação para as muletas químicas.
Que não resolvem problema algum, somente adiando a necessária tomada de decisões eficazes.
O pior é que, muitas vezes, quando se resolve tomar tais decisões, já nem mesmo elas serão capazes de resolver as situações criadas.
O abismo ficou tão profundo, que já não há como sair dele.
Eles se tornaram na melhor solução para os dias estressantes.
No fundo, somos parte de uma sociedade selvagemente capitalista, desvairadamente consumista, onde os cartões de crédito dão a falsa sensação de poder aquisitivo, levando as pessoas a se esquecerem de que, no final do mês chegarão as contas para serem quitadas.
Somos vítimas dos meios de comunicação, que para oferecer seus programas, entremeia-os com peças publicitárias feitas por profissionais de marketing competentes, com frequência recorrendo a mentiras ou a meias verdades para induzir pessoas ingênuas a comprar o que não precisam.
Dão assim enormes lucros às empresas que anunciam, e ganhos estratosféricos às emissoras de televisão e outras mídias.
Esse círculo vicioso, quanto mais gira mais enriquece os meios de comunicação, tornando-os bastante poderosos, e fortemente influentes no governo.
Com tudo isso, as pessoas se tornam mais angustiadas.
Surgem os atritos familiares, as insolvências domésticas, a tristeza pessoal profunda.
Esse conjunto acaba por fazê-las acreditar que a vida é uma droga, que viver não vale nada, tampouco tem sentido, uma vez que não conseguem tudo o que desejam.
Esquecem-se do muito que alcançaram, e reclamam de Deus, como se ele tivesse o dever de lhes proporcionar tudo o que querem.
Diante desse conjunto de frustrações, vem a melancolia, a depressão, e a pior de todas as tragédias: o autoextermínio.
Na proximidade de mais um Natal, quando as compras se viralizam, os estados depressivos se multiplicam, e como consequência os suicídios, faz-se necessário que fiquemos atentos ao que é o verdadeiro sentido da vida.
Que com toda certeza, não é o ter mais, e sim o ser mais, o conviver mais, o amar mais.
O “ser presente”, ao invés de somente “dar presente” Natal não deve ser uma orgia de compras, mas uma verdadeira noite de paz, santa e feliz!
Autor: Evaldo D´Assumpção é médico e Escritor
Fonte: Dom Total
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