Natal: culto ao consumo?
O capitalismo neoliberal transforma tudo em comércio, descristianizando até o Natal.
É Natal! Desde muito pequenos somos estimulados a sonhar. Fazer pedidos a Papai Noel.
Ainda criança somos encorajados ao consumismo. Crescemos e capitalizamos os sonhos.
Entendemos que Papai Noel é o sinônimo de mercado. O capitalismo neoliberal transforma tudo em comércio.
O Natal foi descristianizado. Jesus tornou-se personagem secundário.
No empenho utópico do capitalismo neoliberal, o capital tornou-se a mais poderosa estrutura de controle, tudo deve se ajustar a ele.
A autonomia, a liberdade e a religião foram usurpadas pelo fascínio do dinheiro.
Materializamos os sonhos.
A exploração do trabalho é o pilar de sustentação desse modelo.
Um modelo econômico que funciona baseado, por um lado, na lógica da acumulação ilimitada, e por outro lado, na miséria do operário necessitado de vender seu trabalho.
O trabalho foi convertido em mercadoria. Não só o trabalho, mas tudo tem o seu preço e deve ser encontrado no mercado. O que não cria valor para o capital não vale nada.
Jesus tornou-se personagem secundário no Natal segundo o mercado
Para que esta economia funcione, se faz necessária a subordinação da política.
Portanto, será sempre uma economia política de mercado.
A maximização da riqueza torna-se a medida da economia e da sociedade.
Desigualdade de riqueza e de renda é uma característica essencial deste modelo de economia.
De acordo com OXFAM apenas oito homens possuem a mesma riqueza que os 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre da humanidade.
Uma em cada nove pessoas sobrevive com menos de U$ 2 por dia.
A fortuna dos bilionários do mundo aumentou 12% em 2018 (US$ 900 bilhões), ou US$ 2,5 bilhões por dia, enquanto a metade mais pobre do planeta (3,8 bilhões de pessoas) viu sua riqueza reduzida em 11%.
O Brasil tem uma das mais altas concentrações de renda do mundo, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da ONU.
O país está em segundo lugar em má distribuição de renda, atrás apenas do Catar.
Os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total.
“Assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’…
Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco” (Evangelii gaudium, 53).
O fim último da economia não está na economia, mas na sua finalidade.
Economia é o estudo do abastecimento material da casa familiar ou da cidade.
Tem uma dimensão natural e vital.
Toda comunidade está constituída em vista de algum bem.
A economia não é uma estrutura independente da realidade humana.
Não se separa da natureza, da razão e do bem da cidade.
As escolhas, tanto na ordem dos fins quanto na ordem dos meios supõe a ética.
Papa Francisco tem sido um dos críticos mais ferrenhos do modelo atual econômico: “Os recursos da terra estão sendo depredados também por causa de formas imediatistas de entender a economia e a atividade comercial e produtiva” (Laudato sí, 32).
Por que continuamos estimulando nossas crianças ao consumismo, por que não reagimos?
Porque a sociedade está anestesiada pela cultura do bem-estar (Evangelii gaudium, 54).
É urgente dizer não ao consumismo que reprime a solidariedade e neutraliza a consciência da responsabilidade pelo bem comum.
Para o papa, “a economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas administração da casa comum.
Isto implica cuidar da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos.
Uma economia verdadeiramente comunitária – uma economia de inspiração cristã – deve garantir aos povos dignidade, prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos.
A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é filantropia.
É dever moral. Para os cristãos é mandamento devolver aos pobres o que lhes pertence”.
Toda pessoa é uma imagem e semelhança de Deus dotada de uma dignidade e valor irredutível.
A melhor ordem econômica é aquela que busca preservar essa dignidade fundada na Trindade Santa.
“O princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais é a pessoa humana, a qual, por sua mesma natureza, tem absoluta necessidade da vida social” (GS, 25).
O humanismo autêntico requer que se removam as principais fontes de privação da dignidade: pobreza, carência de oportunidades econômicas, negligência dos serviços públicos, intolerância ou interferência de Estados repressivos.
Atender as reivindicações mínimas para que as pessoas possam existir dignamente.
Oxalá o Natal do Senhor, representado na misteriosa imagem do presépio, possibilite repensar as regras do jogo:
“O Presépio é um convite a sentir, a tocar a pobreza que escolheu, para Si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se um apelo para o seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento.
As ruínas e os pobres ali representados recordam que eles são os privilegiados deste mistério.
Não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efémeras de felicidade” (Admirabile signum, carta apostólica do papa Francisco sobre o presépio).
“A simplicidade é o último grau da sabedoria e só os sábios conseguem vê-la” (Khalil Gibran).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
Fonte: Dom Total