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Igreja sem papa, realidade ou devaneio?

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‘Tridentinos’ atuais e seus devaneios: reformar a Igreja sem papa

Como alguns grupos em vez de ajudar têm atrapalhado o projeto de reforma que Francisco executa desde que assumiu o governo da igreja católica

Papa Francisco em encontro com os bispos (Reuters/Yara Nardi)

Sinodalidade. Uma palavra que, no pontificado de Francisco, tem sido repetida constantemente.
No Concílio Vaticano II, ela foi reproposta com toda a força, mas depois ficou restrita somente a “questões protocolares”.
Apesar de Paulo VI ter instituído o sínodo dos bispos em 1965, em resposta imediata ao desejo de maior participação dos prelados nas decisões da Igreja, o real sentido da sinodalidade foi se perdendo. E isso não podemos negar.

Bento XVI renunciou para mostrar que a igreja não pertence nem a ele nem à cúria.

Apesar do esforço de “alguns homens de igreja”, a cúria romana ainda era fortemente caracterizada por aquele regalismo renascentista que, entre outros fatores, foi responsável pela grande crise do século 16.
Papa Júlio II que o diga: o pontífice que concentrava seus esforços na ampliação de terras do estado pontifício, enquanto pobres religiosos, genuinamente católicos, clamavam por mudanças em vão.

O Libelus ad Leonem, que surgiu antes de Martin Lutero – diga-se de passagem – foi apenas um entre os vários apelos de retomada feitos à época.
Dois monges camaldolenses (Paolo Giustiniano e Pietro Quirino) escreveram a Leão X, o papa de então, sugerindo ao pontífice uma série de mudanças de ordem prática.
O documento foi considerado sem importância e acabou sendo “engavetado” pelo Concílio Lateranense V.

Tal evento que poderia ter evitado uma série de desencontros nos anos posteriores.

Papa Francisco em encontro com os bispos

Nem o Concílio de Trento, uma resposta tardia à necessidade de reforma apresentada um século antes, conseguiu resolver.
E, certamente, não será esse revival tridentino da atualidade que recolocará o catolicismo nos trilhos.
Temos um papa para isso.
O problema é que querem, a todo custo, levar adiante uma reforma sem o elemento mais importante para que ela seja considerada verdadeiramente católica: o sumo pontífice legitimamente constituído.
Em outros tempos, qualquer tentativa que não respeitasse essa premissa, seria chamada de protestantismo, não de “cruzada católica”.

Bento XVI, que era “um homem de cúria”, identificou que uma reforma profunda, motivada pelos valores do evangelho, precisava acontecer urgentemente.

E renunciou para mostrar que a igreja não pertence nem a ele nem à cúria. Um gesto profético.
O papa emérito era consciente que a reforma in capite et in membris deve passar pelas mãos do sucessor de Pedro.

Isso justamente para evitar que a igreja se torne escrava dessas ideologias que efervescem em uma série de grupos autorreferenciais da atualidade.

Que os tridentinos antipapa se revejam em sua catolicidade.

Francisco fala de sinodalidade porque quer dividir essa tarefa de transformação com os bispos, os braços do sumo pontífice nos territórios.

O papa não quer realizar a reforma sem eles, pois foram eles, nos últimos tempos, que também se tornaram o pivô de uma série de crises morais e institucionais. Nosso papa não é bobo.

Em um texto divulgado nesta semana, ele deu mais um indicativo da sua estratégia de transformação.

Francisco disse claramente que a sinodalidade deve se estabelecer também nos organismos vaticanos, considerados por ele setores criados para servir a todos, não a si mesmos.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.

Fonte: Dom Total

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