Assim, o “impune o crime da Vale / lucra com a morte outra vez…”.
Pois a Vale “Eu vi o inferno aqui na terra, hoje”.
Depoimento de dona Maria Aparecida, moradora de Brumadinho.
“O que aconteceu foi o seguinte: (…) Eu sou operadora de máquina. (…)
Aí eu tô lá nesse meu serviço, quando bateu mei’ dia, dez pra mei’ dia, eu parei o moinho. (…) Parei as máquina, cerrei a porta, fechei a porta, fui lá em casa pra esquentar meu almoço.
Quando eu coloquei a comida pra esquentar, aí eu, eu tô escutando um baruio, um baruio esquisito.
Aí eu saí da banda de fora. Quando cheguei no terrêro… que do terrêro lá avista aqui, oiei pra lá, não era o trem, oiei pra’qui, não era o trem.
Assim sendo, para a Vale nada vale
Quando eu vi… que eu saí mais pra cima, que eu vi aquela poeira, sabe?
Aquela poeira descendo. Quando dá fé, o pontilhão estourou.
Eu gritei ela: Ana Clara, pega o telefone e vamo correr.
Ela pegou o telefone que ‘tava carregando em cima da mesa e pulou pra fora, e eu ‘garrei no braço dela e nóis saiu correndo pra capoeira acima aqui, correndo, e a lama já foi descendo com as pedra do pontilhão aqui.
Do outro lado lá, eles colocaram lá uma barraca, fizeram uma reunião aqui, ensinou nóis como é que nóis ia socorrer, que quando acontecesse lá um rompimento, eles iam ligar a sirene lá, pra todos morador escutar e sair correndo, pra se prevenir.
Eles não fizeram isso! Eu só tô aqui viva, graças a Deus, pra contar, porque o alarme lá, a sirene, não tocou hora nenhuma!
Se eu não fosse tão… o dom que Deus me deu de ser esperta, eu não ‘taria hoje aqui pra dar entrevista pra ninguém.
[Pausa na fala. Choro.] Eu, se eu soubesse, eu já tinha ido embora daqui.
Eu já tinha ido embora desse lugar aqui, gente, que isso aqui, nossa mãe… a partir de hoje é um inferno. Eu vi o inferno aqui na terra, hoje.”
NADA VALE (Alexandre Gonçalves – “Alemão”)
Não importa a tristeza / Nada vale o calvário
De que vale a maneira / De lamentar seu rosário
O que importe é o trem… seguir seu itinerário
De que vale a lavoura / Não importa o pescado
Não me falha a memória / Nada vale o passado
O que importa é o trem… futuro itinerário
Sabotaram os alarmes / foi pra ninguém perceber
A chegada da morte / uma morte que ninguém vê
A mãe que espera na sala / filho não vai chegar
Alguém que volta distante / não tem mais seu lugar
Tá no vale de lama / que a Vale deixou pra trás.
De que vale João / Reinaldo ou Maria
Não importam os gritos / que anunciaram a mentira…
O que importa é o trem… seguir seu itinerário
Vão nos falar que é desastre / que a natureza é que fez
Impune o crime da Vale / lucra com a morte outra vez…
Já plantei uma cruz / nessa lama sem sal
Com o corpo em cima do chão / acima do povo, o metal
Nada vale esse trem e esse tal itinerário
Nada vale o pai, o filho e o santo…
Não importa a menina que ainda nem nasceu
Nada vale o dourado… o surubim
Não importa o rio e nem Brumadinho
Nada vale o São Francisco e o Paraopeba…
de que vale Opará e a aldeia?
O povo sem terra… pescadoras e lavadeiras
Não importa a água nossa de cada dia
Nem os braços dos trabalhadores
que no dia a dia garantem a riqueza e o lucro
Como disse Drummond:
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo e um dia, eu sei, não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais…
O que vale é a vida.
Plenarinho do Rio São Francisco e outras Bacias na 42ª Romaria da Terra e das Águas, que neste ano de 2019 teve como lema “Terra, água e justiça: direitos sagrados!
Organização: CPT e participação da Pastoral do Meio Ambiente (PMA), da Diocese de Bom Jesus da Lapa.
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